Bope admite que só 77 dos 215 agentes usaram câmeras em chacina no Rio

Atualizado em 13 de novembro de 2025 às 11:09
Fila de corpos no Complexo da Penha, no Rio. Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

O comandante do Bope, tenente-coronel Marcelo Corbage, afirmou ao Ministério Público que a tropa realizou “operações-ensaio” por 75 dias antes da megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, em 28 de outubro, que terminou com 121 mortos, incluindo quatro policiais. O depoimento integra a apuração sobre possíveis irregularidades na ação, marcada por alto número de vítimas, falhas operacionais e baixa adesão ao uso de câmeras corporais. Segundo o oficial, apenas 77 dos 215 policiais do Bope envolvidos na incursão estavam equipados com o dispositivo.

As operações preparatórias ocorreram em áreas dominadas pelo Comando Vermelho, como Cidade de Deus, Gardênia Azul, Lins, Dois Irmãos, Vila Cruzeiro e outras comunidades do entorno. O objetivo, segundo Corbage, era “avaliar o grau de periculosidade, a capacidade de resistência e o comportamento adotado pelos criminosos”.

Após um desses ensaios resultar em um policial gravemente ferido, o comando decidiu ingressar no Alemão com “força de infantaria”. O tenente-coronel negou que o Bope tenha preparado um “tróia”, gíria para emboscada, e sustentou que os traficantes já estavam entrincheirados em bunkers na serra da Misericórdia.

Corbage afirmou que a operação, inicialmente planejada para permitir que a Polícia Civil cumprisse mandados de prisão, rapidamente se transformou em uma “verdadeira operação de resgate” após diversos civis feridos e policiais civis serem atingidos.

No salvamento de dois agentes, dois policiais do Bope morreram e outros sete ficaram feridos. O comandante relatou que “a agressividade demonstrada pelos criminosos nessa oportunidade fugiu a todos os padrões detectados” e que “os traficantes adotaram uma estratégia até então desconhecida”. Ele afirmou que os alvos se posicionaram no alto da serra e deixaram o entorno livre para atrair os policiais.

Tenente-coronel Marcelo Corbage, comandante do BOPE. Foto: reprodução

Questionado pela Promotoria sobre possível vazamento de informações, Corbage disse que a mobilização das tropas e o monitoramento por criminosos podem ter contribuído para a emboscada.

Segundo ele, o Bope lançou gás lacrimogêneo para forçar a saída dos traficantes das trincheiras, acreditando que isso reduziria a letalidade. A ação resultou na prisão de 37 suspeitos. Após os confrontos, 32 corpos foram localizados em diferentes pontos do complexo, já sem vida, conforme registro único da Delegacia de Homicídios.

A Promotoria também investiga o descumprimento da decisão do STF que tornou obrigatório o uso de câmeras corporais. Corbage alegou que apenas 77 equipamentos estavam disponíveis e foram distribuídos de forma a garantir ao menos uma câmera por equipe.

O batalhão possui apenas 18 baterias extras, insuficientes para a operação, que deveria durar cinco horas, mas se estendeu por 17. Outro militar ouvido estimou que cerca de 800 criminosos estavam na área de mata no dia da megaoperação, ampliando o cenário de risco e descontrole que agora é alvo de investigação formal.

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.