“Borba Gato não é épico, mas popular. Se ofende as elites e ideologias do momento, vamos ressignificá-lo”

Atualizado em 16 de junho de 2020 às 15:15
Julio Guerra e seu Borba Gato. Foto: Reprodução/Blog de Julio Guerra de Santo Amaro

Publicado originalmente no perfil de Facebook da autora

POR CRISTINA COSTA, psicanalista

A pedidos, vou contar o que sei sobre Julio Guerra e sobre sua obra, o Borba Gato.

Julio Guerra era um homem simples que gostava de arte e lutou muito para chegar próximo da elite artística da época. Ganhou bolsa de estudos do governo e chegou a ser assistente de Brecheret. Era de Santo Amaro, origem verdadeira de São Paulo, centro do bandeirantismo.

Ele via, com a construção do aeroporto de Congonhas, São Paulo chegando perto e abocanhando a cidade que hoje, ao contrário de todas as tendências urbanas, se tornou bairro da capital. Foi para refrear essa invasão paulistana que ele imaginou, talvez, um bandeirante nas portas da cidade.

Ele ergueu o Borba com recursos próprios e uma técnica absolutamente pioneira de mosaico, nitidamente popular. Jamais pensou em honrar um caçador de escravos, tanto é que é dele a Nossa Senhora do Rosário dos Negros, do largo do Paissandu, motivo de veneração de brancos e negros, tida como símbolo místico.

A elite paulistana nunca aceitou o Borba, chamado (oportunamente) de bonecão, ferindo o gosto europeu dos nossos críticos. Eu fui a curadora da única retrospectiva de Julio Guerra, na Pinacoteca do Estado, quando assistente de Ricardo Ohtake na Secretaria da Cultura. Foi um belo evento que contou com a ajuda de ninguém menos que Emanoel Araújo, diretor do Museu Afro-Brasil.

O Borba Gato não é uma obra épica, mas popular – o único monumento de arte popular de São Paulo, basta olhar para ele e vê-lo, em vez de escutar as patrulhas ideológicas. Se ele ofende o gosto das elites e as ideologias do momento, vamos ressignificá-lo, alterando seu nome.

Vamos chamá-lo de Caipira de Santo Amaro que é o que ele realmente é.

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