Boulos x Tatto ou como a direita capitaliza o infantilismo da esquerda. Por Igor Santos

Atualizado em 29 de setembro de 2020 às 22:06
Jilmar Tatto e Guilherme Boulos. Foto: Reprodução/YouTube

As eleições nem bem começaram e já vemos Bolsonaro metamorfosear a polícia federal em polícia política contra o candidato e dirigente do MTST Guilherme Boulos. A normalização do terror estatal, nunca é demais lembrar, se iniciou em 2016 quando deram um golpe contra a presidente Dilma, criando todo um estado de anormalidade onde judiciário em conluio com organismos de segurança e imprensa, vincularam nos meios de comunicação escutas telefônicas ilegais envolvendo uma presidenta em exercício e um ex-presidente da república.

A lava jato, esse espetáculo jurídico-midiático que contou com apoio não apenas do fascismo, mas com a retaguarda de setores de uma nano-esquerda histriônica, foi apenas a ponta do iceberg, o surgimento de mensagens cifradas ou ‘‘apito de cachorro’’ e a constância cada vez maior, nos dão provas que tal operação compreende parte de uma peça e não a totalidade do mecanismo. Mecanismo e modus operandi que a exemplo do que ocorreu no norte da África, Oriente Médio e América Latina, foi um consórcio entre igrejas evangélicas, setores das forças de segurança locais, meios de comunicação e grupos de extrema direita, isso sem falar dos grupos econômicos internacionais, afinal nessas regiões assim como aqui, estavam em jogo, reservas de petróleo e economias não-alinhadas aos EUA.

Uma guerra está em curso, não como as tradicionais, mas dotada de uma natureza híbrida, com aliados no que existe de pior no filo humano. Contudo é importante frisar, ainda exista quem de munição para a direita ou pior, empregue tempo para praticar fogo-amigo em diversas frentes ou melhor retaguarda. A cultura do cancelamento, fragmentação ou crise de identidade de determinados setores, mostram não apenas um crise de direção nas esquerdas, mas uma completa miopia.

E é aí que esse humilde colunista quer chegar, digo, discutir. Vejamos a contradição, em nome de um discurso de unidade, as redes sociais de alguns militantes ou ‘‘ativistas’’ de esquerda tem dado extenso paiol para municiar o bolsonarismo. Palavras como: emprego, renda, pandemia e auxílio, povoam um lugar de destaque nos mapas de calor desse final de semana. Não considerar isso é por certo uma das principais razões da esquerda perder cada vez mais campo para a direita. Quem abaixa bandeira e no lugar de gritar, assopra, não causa no inimigo nada que não seja alimento para a desmoralização.

Quando foi que deixamos de lado o mundo do trabalho, infantilizando debate, estética e argumentos?

Uma breve pesquisa no facebook ou twitter nos últimos dias é o bastante para verificarmos que pelo visto, para determinados setores da esquerda, talvez o problema seja o PT e não o Bolsonarismo, ou quem sabe Boulos e não a política econômica de Paulo Guedes. Parecemos fadados a repetir o mesmo principismo que condenou ao fracasso a experiência republicana espanhola. Contudo se ali o debate havia chegado a via das armas, aqui pelo grau de maturidade termine em uma competição de quem consegue ser mais infantil.

Peguemos por exemplo o caso mais sintomático, a capital paulista, onde petistas e psolistas se digladiam em diversos ambientes competindo quem deveria encabeçar a chapa única. É notório que o partido socialismo e liberdade ganhou alguma estrutura classista e afixada ao mundo real quando deixou de lado a parafernalha retórica e proto-golpista de elementos que apenas fetichizam o que é um trabalhador. Contudo reitero, unidade nem sempre compreende chapa única a máxima leninista ‘‘golpear junto e marchar separado’’ nunca foi tão necessária. Pensemos por exemplo que o cenário, diante do debut da polícia política bolsonarista, mostra que mesmo nos afogando a competição parece ser sobre quem bate mais os braços, seria motivo de riso, mas dessa disputa dependem milhares de vidas de trabalhadores que dia a dia se juntam ao enorme contingente de desempregados fruto da política econômica liberal.

Compreendo a falta de empatia de determinados setores da esquerda, afinal como cobrar da pequena-burguesia solidariedade de classe? É muito mais confortável para o identitarismo ver como exemplo o empoderamento a partir dos EUA, são em sua maioria filhos daqueles que gritam: vai pra cuba. Mas tão sólido quanto o reino mineral é que o fascismo avança a passos largos, muito por culpa de um divisionismo inconsequente e principista incapaz de uma tática e estratégia que combata a direita nas ruas e nas redes. Muito melhor, digo muito mais confortável é o identitarismo da classe média branca, muito parecido com aquele que Brizola chamou de UDN canhota.

E aqui perto do final do texto é preciso dizer que se PT e Psol não compõe a mesma chapa na capital paulista, isso não pode significar que sejam rivais, mas candidaturas distintas e com um programa parecido em alguns pontos, em essência: combater o fascismo. Quem gasta munição com fogo-amigo, revela de uma maneira quase freudiana as punções mais secretas.

Uma narrativa cada vez menos centrada na classe trabalhadora e ultra pautada por direções que facilmente flertam com o liberalismo também são parte dessa derrota simbólica. Não considerar primeiro cada um a partir de sua posição de classe e assim o todo, digo a classe, é trilhar um caminho perigoso. Na Rússia de 1905 não havia twitter ou hashtag, mas Lênin e seus camaradas entenderam que “pão, paz e terra” eram palavras mais fortes que discursos vazios e repletos de subjetividade. A subjetividade por sinal só é bonita na poesia lírica, tratamos de vidas e não de horóscopo ou qualquer terra-planismo socialmente aceito.