Brancos são 92,21% dos entrevistados no Roda Viva

Atualizado em 29 de setembro de 2020 às 15:36
Vera Magalhães e os ex-apresentadores do Roda Viva: Maioria dos entrevistados são brancos. Foto: Divulgação

Publicado originalmente no site Justificando

POR TAINÁ MEDEIROS, do Coletivo Lójúkojú Popular, que faz pesquisa, organização e disseminação de dados sobre as desigualdades estruturais no Brasil. LójúKojú vem do yorubá, e significa: cara a cara, abertamente

Neste ano, diversos acontecimentos mobilizaram debates sobre desigualdades raciais na mídia brasileira e mundial, conquistando um espaço antes inédito especialmente na televisão, um dos segmentos jornalísticos no qual sua ausência sempre foi notável. A morte de George Floyd nos EUA, e a onda de protestos por ela desencadeados, geraram uma cobertura massiva da mídia. Outros acontecimentos no Brasil, um deles a morte brutal do garoto João Pedro, baleado e morto por policiais dentro da própria casa em São Gonçalo no Rio de Janeiro, também contribuíram para a emergência do debate “fora de época” sobre o racismo, pelo viés da violência policial.

A despeito da ascensão do tema e seus desdobramentos, notamos o quanto os discursos sobre o combate ao racismo e sobre a necessidade de promoção da equidade e da diversidade não se refletem, necessariamente, no dia a dia dos mesmos meios que veiculam os debates sobre esse cenário. Segundo levantamento de 2015 do DIEESE, apenas 22% dos jornalistas com postos formais de emprego são negras(os). Um perfil específico, hegemônico e pouco diverso se reflete no tipo de abordagem realizada aos mais diversos temas, bem como no direcionamento dos discursos transmitidos pelos veículos de comunicação, reduzindo as possibilidades de democratização de pontos de vista e de produção de conteúdo diverso.

Um dos momentos recentes que gerou grande repercussão, foi a participação do Professor Silvio Almeida como entrevistado do programa Roda Viva da TV Cultura. A entrevista que tocou em pontos sensíveis de temas como racismo, economia, educação e política no Brasil e no mundo, tornou-se um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. As falas contundentes de Silvio, sem dúvida, contribuíram para um aumento da discussão contemporânea sobre o Racismo Estrutural.

O programa Roda Viva, o mais antigo programa do gênero da televisão brasileira, no ar há 34 anos, é exibido em rede aberta nacional e transmitido simultaneamente pela internet, e se auto define como “um espaço plural para apresentação de ideias, conceitos e análises sobre temas de interesse da população.” Diante desse panorama, tivemos a ideia de sistematizar algumas características dos(as) entrevistados(as) do programa Roda Vida nos últimos anos, para analisar se há de fato, pluralidade e diversidade de pessoas bem como de ideias, nas entrevistas promovidas pelo programa.

O levantamento foi construído com base no acervo do programa, disponível no Youtube. Fizemos um recorte temporal de 11 de janeiro de 2016 até dia 22 de junho de 2020, o que totaliza 246 programas. A análise segmentou os programas em dois tipos: o Roda Viva Entrevista e o Roda Viva Temático, onde no primeiro cumpria-se o formato de entrevista convencional e no outro um grupo de 2 a 6 pessoas debatiam em torno de temas definidos. A partir desta segmentação foram traçados os perfis dos(as) entrevistados(as) e dos(as) debatedores(as) convidados(as), a partir das seguintes categorias: Cor/Raça, Gênero e Pessoa com deficiência ou não.

Apresentaremos alguns dos resultados do levantamento a seguir:

  • Nos programas em formato convencional, foram entrevistadas 205 pessoas, dentre as quais:
  • 92,21% eram brancas, ao passo que 6,34% eram negras, 1% eram amarelas e 0,45% indígenas.
  • 90% eram homens e 10% eram mulheres (dentre as mulheres, não havia nenhuma indígena ou amarela e apenas 9% eram negras);
  • Apenas 1,5% das pessoas possuíam algum tipo de deficiência (todas eram brancas).
  • Nos programas em formato de debate, houve a participação de 185 pessoas, dentre as quais:
  • 92,97 % eram brancos(as), 6,48% negros(as), 0,52% amarelo e nenhum(a) Indígena foi convidado a debater;
  • 81,62% eram homens e 18,37% mulheres; (dentre as mulheres,  não havia nenhuma indígena ou amarela e apenas 12,1% eram negras);
  • Nenhuma pessoa com deficiência participou dos debates;

Apesar da ausência de diversidade apontada pelos resultados não ser uma surpresa, é sempre impactante encarar os dados que materializam essa realidade. Ainda mais quando comparamos esses percentuais com a real proporção que tais grupos têm na sociedade brasileira. De acordo com os dados mais recentes disponíveis*, negros e negras somam cerca de 56,2% da população brasileira e pessoas com deficiência representam a expressiva parcela de 24%.

Esse contraste faz cair por terra qualquer perspectiva de existência de uma representação equânime da população no programa, na atualidade. Isso reforça a necessidade de um aprofundamento nos discursos sobre diversidade na sociedade em geral, e na mídia especificamente, que são construídos ainda hoje sob bases muito frágeis, denunciando uma aplicação prática pouco significativa. Nesse sentido a representatividade só pode efetivamente produzir efeito na reparação das desigualdades quando se consegue caminhar no sentido de promover uma representação proporcional da população brasileira nos mais diversos espaços.

A perversidade do racismo e das desigualdades se mostra quando o discurso sobre representatividade é apropriado pelos meios de comunicação, mas ao mesmo tempo esvaziado, quando se constata que não há um compromisso efetivo de reparação de desigualdades tanto em seu interior, no que tange aos seus bastidores e suas fontes, quanto na presença de grupos excluídos socialmente e na promoção e valorização de seus discursos. A cada dia que passa, esse cenário é mais inadmissível, precisamos de uma mudança radical agora.