Brasil liberou mais agrotóxicos em 200 dias do que a União Europeia em oito anos. Por Igor Carvalho

Atualizado em 18 de julho de 2019 às 9:41
A avalanche de liberação de venenos tem como objetivo tornar o mercado de mais acessível para os agricultores / Foto: Reprodução/Guia de Orgânicos

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR IGOR CARVALHO

Em 200 dias, o governo Bolsonaro (PSL) fez mais liberações de novos agrotóxicos do que a União Europeia (UE) nos últimos oito anos. Foram 239 autorizações no Brasil contra 229 na UE, desde 2011. A denúncia foi feita pelo ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), Gerson Teixeira, em seu artigo “Os ruralistas e os agrotóxicos – Uma contranarrativa”. Ele ressalta que o cenário é tão favorável para o agronegócio que a bancada ruralista parou de insistir na tramitação do PL 6299/2002, conhecido como PL do Veneno, de autoria do ex-senador Blairo Maggi, o “Rei da soja”.

O PL do Veneno propõe facilitar a autorização e comercialização de agrotóxicos no Brasil e está pronto para apreciação no plenário da Câmara dos Deputados desde junho de 2018, quando foi aprovado na Comissão Especial da Casa. Porém, deste então, não entrou na pauta para votação. Tampouco houve pressão da bancada ruralistas para que fosse apreciado pelos parlamentares.

“Eles viram que, com o governo na mão, não precisavam aprovar a legislação. Tanto que nunca houve um ritmo tão frenético de aprovação de agrotóxicos como agora, 239 agrotóxicos aprovados. Para se ter uma ideia, o que foi aprovado neste ano, até meados de junho, é mais do que foi aprovado na União Europeia desde 2011 [229]”, afirma Teixeira.

A avalanche de liberação de venenos agrícolas tem como objetivo tornar o mercado de agrotóxicos mais acessível para os agricultores, segundo o ex-presidente da ABRA: “A estratégia deles é viabilizar uma oferta grande de venenos e com isso fazer baixar o preço deles, independente se isso vá resultar em uma maior contaminação do meio ambiente ou do alimento”.

Agrotóxicos são substâncias fabricadas para extermínio da vida – de plantas, insetos ou outros agentes naturais indesejados). Portanto, são chamadas de “biocidas” e podem causar adoecimento, conforme explicou o pesquisador Cleber Folgado em entrevista recente ao Brasil de Fato sobre o tema.

Segundo Folgado, que integrou o Grupo de Trabalho de construção do Plano Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara) dentro da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, as duas principais formas de intoxicação são as agudas e as crônicas. As agudas são causadas pela exposição a altos níveis de toxicidade, gerando efeito quase que imediato, como náuseas, vômitos, diarreias, alergias, dores de cabeça, tontura. Já as intoxicações crônicas são resultado de pequenas quantidades de agrotóxicos que se acumulam no organismo e, ao longo de anos, podem resultar em doenças respiratórias, alergias, infertilidade, impotência, abortos espontâneos, Alzhaimer, autismo, cânceres, doenças crônicas nos rins, danos ao fígado, problemas na tireoide, doenças cardíacas, esclerose múltipla e Parkinson, por exemplo.

Nos primeiros seis meses do ano, o governo Bolsonaro já havia liberado mais agrotóxicos do que qualquer ano do mandato de Dilma Rousseff (PT). No governo Temer, as autorizações para uso de veneno mais que dobraram, chegando a 450 de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2018. Ainda assim, o ritmo imposto pela equipe do capitão reformado é um recorde absoluto no país.

Bancada ruralista

Teixeira lamenta a falta de meios para impedir os decretos do Executivo que autorizam novos agrotóxicos no país. “Pelo Congresso é difícil, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem tomado iniciativas para barrar [as liberações] via decreto do Legislativo, mas a correlação de forças aqui é totalmente desfavorável. Nós sabemos que alguns setores do Ministério Público estão preocupados com isso, estão tentando fazer algumas ações nessa área, mas também sem sucesso”, explica

No Congresso, o agronegócio é representado pela bancada ruralista, que se organiza através da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que mantém, entre seus filiados, 257 parlamentares, sendo 32 senadores e 225 deputados.

A bancada ruralista anda de mãos dadas com o governo. Tereza Cristina, a ministra da Agricultura de Bolsonaro e artífice da liberação massiva dos venenos, já presidiu a FPA entre 2017 e 2019 e é deputada federal eleita pelo DEM do Mato Grosso do Sul, licenciada para chefiar o ministério.

Antes mesmo do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, no dia 2 de outubro, a FPA se reuniu com Jair Bolsonaro e entregou ao capitão reformado o apoio integral de toda a bancada. Tereza Cristina foi à casa do então presidenciável para entregar uma carta expressando apoio irrestrito do setor.