Wadih Damous cobra a imprensa por acobertar os crimes de Dallagnol e da Lava Jato: “Falta uma autocrítica”

Secretário do Ministério da Justiça concedeu entrevista ao DCMTV

Atualizado em 20 de maio de 2023 às 13:03
Wadih Damous (Maryanna Oliveira/Agência Câmara)
Wadih Damous (Maryanna Oliveira/Agência Câmara)

Secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous concedeu uma entrevista ao DCM Ao Meio-Dia falando sobre a cassação de Dallagnol, a cumplicidade da mídia e outros assuntos.

Confira os principais pontos da entrevista.

O que o PT tem a ver com isso

É patético. Se essa narrativa [de que Dallagnol foi cassado pelo PT por “vingança” e para “reescrever a história] viesse dos lunáticos de internet, dos delinquentes da extrema direita, já seria absurdo. Agora, de uma jornalista como a Raquel Landim da CNN, de quem se espera o mínimo de apego à informação correta…?

Ainda que ela tenha opiniões positivas sobre o Dallagnol, é patético.

O Tribunal Superior Eleitoral é um órgão do Poder Judiciário brasileiro. É a Corte Suprema Eleitoral. Essa corte reunida, por unanimidade, cassou o mandato do então deputado Deltan Dallagnol.

O que o PT tem a ver com isso? Inacreditável! Vingança do PT? O que o PT tem a ver com isso? O PT deve estar comemorando? Sim, e com toda a razão.

Não que aplaudamos isso. Sempre fui um crítico e sempre tive muito respeito aos mandatos outorgados pelo povo. Quanto menos o judiciário se imiscuir nisso, melhor. 

A soberania popular se manifesta no voto direto, secreto e universal. Toda vez que se cassa um mandato, eu fico com o pé atrás. 

Mas no caso desse cidadão, ele infringiu regras estabelecidas para que ele pudesse registrar a sua candidatura. Dallagnol, como vocês sabem, era procurador da República, estava respondendo a processos de natureza disciplinar.

Enquanto esses processos estivessem em curso, ele não poderia se candidatar. Se tornaria inelegível. Foi o que aconteceu.

TSE examinou, viu que havia processo disciplinar, que estavam em curso quando ele se desligou do MP e que havia previsão legal. E qual a previsão legal? Torna-se inelegível.

Pronto, aplicou a lei. Caso singelo. Simples. É um desrespeito o que esse tipo de jornalismo está vicejando no país.

Brasil ficou melhor sem Dallagnol

Há alguns anos, o Dallagnol e o Moro eram a expressão da soberba. Pareciam donos do Brasil. Eles ditavam as regras do combate à corrupção. Eles eram os monstros inatacáveis da República. Os Catões da República. Aqueles que tinham uma “missão sagrada”, que era livrar o país da corrupção.

E, na verdade, hoje já se sabe, eles estavam praticando a mais deslavada corrupção.

Acho que essa decisão tem um aspecto processual importante, mas o ajuste de contas ainda não se deu. Não é a cassação de Dallagnol que vai mudar isso.

Porque o Dallagnol não está sendo punido pelos crimes que cometeu na Lava Jato. Isso foi uma irregularidade eleitoral. Ele teve o mandato cassado. Ele, Moro e toda a turma da Lava Jato precisam responder pelo que fizeram de ilegal e de criminoso no contexto da operação.

É isso que está faltando. Não considero que o ciclo esteja fechado. É claro que não deixa de ser um processo de saneamento básico no Congresso Nacional. 

Ganha com a devolução de Dallagnol para casa a democracia. Ganha-se o princípio da moralidade. Ganha-se o princípio da probidade na vida pública. Da honestidade. Esses princípios saíram vitoriosos. O Brasil ficou um pouquinho melhor sem a presença do senhor Deltan Dallagnol na Câmara dos Deputados.

Mas isso só não resolve, está no meio do caminho ainda. Ele tem que responder por aquilo que fez na Lava Jato.

Super-heróis

Moro e Dallagnol tinham uma reputação como uma espécie de Super-Homens dos quadrinhos. Agora eles já são mais vulneráveis. 

Seria fundamental uma atitude do próprio Ministério Público contra eles. Os dois deveriam prestar contas à sociedade sobre aquilo que fizeram no verão passado.

Esse é o problema que vemos com o atual procurador-geral da República [Augusto Aras]. Ele não é lavajatista, até ajudou a acabar com a Lava Jato como ela era antes. E parou por aí. Tenho a impressão de que o corporativismo acaba falando mais alto.

É necessário abrir investigação sobre a conduta desses ex-integrantes da Lava Jato e do Ministério Público. Agora o caminho está aberto para que se investiguem eles.

Porque hoje todo povo brasileiro sabe como eles agiram e eles têm que prestar contas para que isso não volte a acontecer.

No Congresso Nacional, Dallagnol e Moro se tornaram figuras absolutamente isoladas, diferente da época da operação em que eles tinham adoradores. Isso não existe mais.

Naquela época, eles diziam que a lei é para todos, não é? Pois eles achavam que não era aplicável para eles. A vida deu a volta está mostrando eles foram incluídos.

Não quero aqui dizer que eu era profeta, mas era tão óbvio que um dia eles iriam cair em desgraça. Eu sabia que eles cairiam em desgraça.

Porque Moro e Dallagnol fizeram  o serviço sujo, foram prepostos de interesses maiores. Nós sabemos que a Lava Jato foi urdida no departamento de Justiça norte-americano e que tem interesses geopolíticos por trás dela, no sentido de eliminar lideranças populares na América Latina. E particularmente no Brasil.

Objetivo deles era inviabilizar uma liderança, como foi no golpe de Estado contra Dilma. Inviabilizaram eleitoralmente o presidente Lula. Sabemos claramente hoje que as classes dominantes atuaram dessa forma no Congresso.

Quando eles não fossem mais necessários, quando o serviço sujo tivesse sido concluído, Moro e Dallagnol seriam descartados para que o sistema desse um exemplo. Não porque a Justiça tenha sido feita.

E o sistema de Justiça precisa ser legitimado. Para isso, às vezes ele tem que prestar contas, dar um sinal de que “ó, nós não admitimos esse tipo de prática aqui dentro”. Não vão fazer diferente daqui para frente, mas dão uma resposta ao povo.

A Lava Jato perdeu credibilidade depois do vazamento de diálogos da Vaza Jato e da Operação Spoofing da PF.

Mas o serviço já estava feito. Lula não concorreu às eleições de 2018. Surgiu a sombra uma mácula que precisava ser corrigida.

E, agora, está sendo corrigida.

Vladimir Netto e Deltan Dallagnol
Vladimir Netto e Deltan Dallagnol em lançamento de livro deste último

A mídia e a Lava Jato

Moro e Dallagnol foram convencidos de que eram os protagonistas. Nunca foram. Figuras obscuras que foram tiradas do obscurantismo em que estavam fadados a viver.

Poderiam estar no obscurantismo digno. Como um juiz que cumpre o seu dever. Um procurador da República que cumpre o seu dever. Cumprir o dever dentro da lei, em respeito à Constituição. E não foi isso que aconteceu. 

Eu duvido que essas pessoas [os jornalistas], se cruzarem Moro e Dallagnol, vão cumprimentá-los. Vão fingir que não conhecem. Vão falar que nunca viram na vida. 

Eu e o [Paulo] Pimenta [ex-deputado federal, atual ministro da Secom] fomos a Madri nos encontrar com Tacla Duran. Finalmente se quebrou uma blindagem envolvendo ele. Rompeu-se uma bolha. O que o Tacla está dizendo hoje ele falou para mim e para o Pimenta anos atrás.

Só que isso não tinha repercussão. Isso era proibido. Havia um acordo tácito para proteger a Lava Jato e não dar bola para o que o Tacla Duran estava dizendo. Ele comprometia seriamente a idoneidade desses procuradores. Isso era um tiro de fuzil na Lava Jato.

Porque a imagem que esses procuradores, a imagem que eles cultuaram era do modelo moral. Eles estavam ali para livrar o Brasil da “praga” da corrupção. Eram quase que divinos – e eles acreditavam nisso também.

E havia esses segmentos de imprensa, jornalistas e empresas, que estavam no projeto. Não foi só o sistema de Justiça que caiu nisso. 

O projeto antipetista, o projeto de inviabilizar Lula e o PT o resto da vida aqui no Brasil — a Lava Jato era um instrumento fundamental nesse sentido. Tacla Duran era nota dissonante disso. Ele tem informações que vão contra isso. Informações que desnudam esse pessoal.

Ele tem que ser ouvido. Mas diversas decisões do juiz Eduardo Appio são depois revogadas pelo TRF-4. Tacla Duran ainda não teve a condição necessária para vir ao Brasil para prestar depoimento e ir ao Congresso. E tornar as informações que ele tem de domínio público. Está faltando isso. Vai depender do Supremo. O relator dos processos dele é o ministro Tóffoli. Vamos ver nos próximos dias e semanas como o STF vai se comportar em relação a isso.

O lavajatismo sempre vai estar por ai

O lavajatismo existia antes da Lava Jato. O que nós podemos chamar de lavajatismo? Existe no Poder Judiciário. É uma ideologia que tomou conta de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal. Eles se achavam iluministas e apontavam as “impurezas” do mundo da política.

Para eles, o mundo da política era o mundo da falcatrua e do roubo. Da roubalheira. Da deliquência. E o Poder Judiciário, juntamente com o Ministério Público, era a ferramenta para “limpar o país desse tipo de gente”. Para isso não havia qualquer compromisso em respeitar a lei, respeitar o devido processo legal e cumprir a Constituição.

Moro recebe um prêmio de João Roberto Marinho
Moro recebe prêmio de João Roberto Marinho

Porque a “missão falava mais alto” do que obedecer a Constituição. Isso era detalhe. Como diz a célebre frase de um daqueles procuradores de Curitiba, “nós não temos provas, nós temos convicção. Isso nos basta”.

Eles não inventaram isso.

É claro que a Lava Jato teve um papel fundamental nisso porque ela serviu para criminalizar a política. Os pobres, negros e favelados, os pequenos infratores, sempre foram culpabilizados sem provas, sem devido processo legal, sem coisa nenhuma. O lavajatismo não foi uma invenção da Lava Jato. Ele sempre vai estar por ai.

A Lava Jato como era não existe mais, mas o lavajatismo está por ai. Parece ser um dado estrutural do nosso sistema de Justiça.

Foi um amplo concerto de forças, sobretudo da imprensa. Não existiria Lava Jato se não fosse pelo esforço da imprensa. Perdemos a conta de reportagens e editoriais enaltecendo as figuras da Lava Jato. Colocando-os como anjos vingadores dos casos de corrupção. Anjos vingadores que iriam render o Brasil. Anjos vingadores que iriam “livrar” o Brasil da corrupção.

Como se o Brasil já fosse um país liberto da fome, do analfabetismo, da miséria… Não, não, não. Para eles, nosso problema é a corrupção e estamos aqui para limpar. E, na verdade, eles eram todos um bando de corruptos. Hoje a vida mostra. Mas está faltando essa autocrítica da imprensa. Porque eles colaboraram com isso. Eles foram decisivos para arregimentar mentes e corações.

Não era fácil andar nas ruas. Não era fácil entrar num restaurante e muito menos em um aeroporto. Não era fácil caminhar no seu bairro. Não era fácil não. Eles tiveram seu papel deletério, devem ser cobrados e fazer a sua autocrítica. Para reconhecer que fizeram mau jornalismo, não só pela questão da Lava Jato.

Os jornalistas não informaram, eles aderiram a um projeto fundamentalista e deu no que deu. O Brasil até hoje, mesmo com a vitória eleitoral de Lula, paga um preço muito caro por aquele período. Bolsonaro é filho direto. Nasceu no ventre da Lava Jato.

E foi tudo urdido no departamento de Justiça americano. Novas técnicas de interrogatório. Novos métodos para burlar a lei e a Constituição. Eles foram adestrados. Hoje se sabe que o FBI esteve no Brasil diversas vezes. Agentes do departamento de Justiça dos EUA se reuniram com eles. Em Curitiba. No Rio de Janeiro também. Hoje se sabe disso tudo. Não é teoria da conspiração. Aconteceu.

Veja a entrevista na íntegra.

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