Brasil protegeu a democracia melhor que os EUA, diz New York Times ao comparar Capitólio a 08/01

Atualizado em 9 de janeiro de 2024 às 16:18
Os ex-presidentes Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro (Brasil). Foto: Reuters

*Tradução de Charles Nisz

Por conta do aniversário de um ano da invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília numa tentativa de golpe bolsonarista, o jornal norte-americano The New York Times publicou artigo assinado pelo jornalista Jack Nicas, correspondente do periódico no Rio de Janeiro.

“Há um ano, milhares de manifestantes de direita vestidos com as cores da bandeira brasileira invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal e os gabinetes presidenciais do Brasil com uma fúria violenta e o objetivo de anular uma eleição. Sábado marcou três anos desde que milhares de americanos fizeram praticamente a mesma coisa”, diz Nicas, na abertura do texto.

Segundo o repórter, foram dois ataques chocantes às duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental, ambos transmitidos para todo o mundo e ambos motivados por presidentes que questionaram as derrotas eleitorais legítimas. Foi um teste extraordinário às democracias de Brasil e EUA, mostrando como duas sociedades tão polarizadas iriam reagir a esses fatos”.

Com o tempo, a resposta a essa pergunta ficou muito clara: ataques semelhantes tiveram consequências quase opostas. “Nos EUA, cresce o apoio para o retorno de Donald Trump à Casa Branca – o ex-presidente chama a invasão do Capitólio de “um belo dia”, diz Nicas. Por outro lado, Jair Bolsonaro ruma para a irrelevância – em junho, o Superior Tribunal Eleitoral do Brasil proibiu Bolsonaro de se candidatar até 2030”, compara o NYT,

Também há diferenças na percepção pública nos dois países sobre as invasões aos prédios dos Legislativos federais de EUA e Brasil: “Pesquisas recentes mostraram que 22% dos americanos dizem agora apoiar o ataque de 06 de janeiro, enquanto no Brasil apenas 6% apoiam os manifestantes de 08 de janeiro”.

Analistas políticos tentam explicar reações tão opostas a eventos similares. Acadêmicos apontam para uma multiplicidade de razões, incluindo os diferentes sistemas políticos, cenários midiáticos, histórias nacionais e respostas judiciais dos países, mas há uma diferença primordial.

“Os líderes da direita brasileira “aceitaram pública, clara e inequivocamente os resultados das eleições e fizeram exatamente o que os políticos democráticos deveriam fazer”, disse Steven Levitsky, professor de governo de Harvard e coautor do livro “How Democracies Die”. que estuda as democracias americana e brasileira. “Isso é muito diferente de como os republicanos responderam nos EUA.”

“Na noite seguinte ao motim de 08 de janeiro, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, marchou de braços dados pela praça central do governo federal com governadores, líderes do Congresso e juízes de esquerda e direita, numa demonstração de unidade contra o ataque”, recorda o jornal norte-americano.

Invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Foto: Leah Millis/Reuters

Já nos EUA, nas horas que se seguiram ao motim de 6 de Janeiro, alguns membros republicanos do Congresso votaram contra a certificação da vitória eleitoral de Joseph Biden e, desde então, os republicanos têm procurado cada vez mais reformular a insurreição como um ato patriótico – ou mesmo um trabalho interno dos democratas.

Ciro Nogueira, ex-chefe de gabinete de Bolsonaro e agora líder da oposição no Senado, diz que a reação nos Estados Unidos o surpreendeu. “Há um consenso no nosso país, entre a classe política, para condenar estes atos”, afirmou. “Acho realmente lamentável que uma parte dos políticos americanos aplauda este tipo de protesto”, disse Nogueira ao NYT

Para Nogueira, “o Brasil repreendeu veementemente os manifestantes porque muitos brasileiros têm idade suficiente para se lembrar da ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. “Os Estados Unidos não viveram uma ditadura, um período de autoritarismo”, disse ele. “Não queremos que isso volte ao nosso país.”

A fragmentação política do Brasil – 20 partidos diferentes estão representados no Congresso – torna os políticos mais dispostos a confrontar-se uns aos outros e a expressar uma gama mais ampla de pontos de vista, enquanto os conservadores americanos estão confinados ao Partido Republicano.

Também a grande mídia está menos fragmentada no Brasil, o que, segundo eles, ajudou a solidificar uma visão sobre o 08 de janeiro, diz Nicas. “A Rede Globo tem mais audiência do que suas quatro maiores concorrentes combinadas”.

Mas há outra razão pela qual o Brasil rejeitou tão firmemente o motim de 08 de Janeiro – um fator que muitos veem como ameaça aos dois outros Poderes: “O Supremo Tribunal do Brasil expandiu o seu poder para investigar e processar pessoas que ameaçaram a democracia”, explica o repórter.

O STF ajudou a abafar as alegações de fraude em torno das eleições de 2022 no Brasil, quando um juiz da Corte, Alexandre de Moraes, ordenou que as empresas de tecnologia retirassem publicações que espalhassem fakenews sobre o tema. Moraes diz “que viu a desinformação online corroer a democracia em outros países e tem a intenção de não permitir que isso aconteça no Brasil”

“Como resultado, os tribunais brasileiros ordenaram recentemente que as empresas de tecnologia retirassem contas a uma das taxas mais altas do mundo, de acordo com divulgações do Google e da Meta, dona do Instagram. Moraes também supervisionou a investigação de 08 de janeiro”, acrescenta Nicas.

Ataque terrorista de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um ano após o motim no Brasil, 1.350 pessoas foram acusadas e 30 pessoas foram condenadas, com penas que variam de 3 a 17 anos. Depois de três anos, cerca de 1.240 manifestantes de 6 de janeiro foram acusados e 880 condenados ou declarados culpados. As sentenças variam de alguns dias a 22 anos.

Na semana passada, Moraes deu uma série de entrevistas nas quais atacou manifestantes que eram réus em casos que ele ajudava a julgar, chamando-os de “covardes” e “pessoas doentes” que ameaçaram ele e sua família. Ele também disse que as ações tomadas pela Suprema Corte – um grupo bipartidário de 11 juízes – foram cruciais.

“Se não fosse a forte reação das instituições, não estaríamos conversando aqui hoje. O Supremo Tribunal seria fechado e eu, como as investigações mostraram, não estaria aqui”, disse Moraes numa entrevista, observando que alguns manifestantes queriam matá-lo.

Trinta senadores conservadores no Brasil divulgaram uma carta na sexta-feira (05) na qual condenavam os ataques de 08 de janeiro, mas questionavam o crescente poder do Supremo Tribunal. “Acho que há problemas com as ações do Supremo Tribunal Federal”, disse Emilio Peluso, professor de direito constitucional da UFMG. “Mas acho que o STF teve que dar uma resposta firme ao que aconteceu em 08 de janeiro.”

Moraes também liderou o tribunal eleitoral que votou em junho para impedir que Bolsonaro concorra às próximas eleições presidenciais. Cinco dos sete juízes do tribunal decidiram que Bolsonaro abusou do seu poder quando, antes das eleições de 2022, atacou os sistemas de votação do Brasil num discurso transmitido pela televisão estatal.

Steven Levitsky, professor de Harvard, disse que a abordagem do Brasil se assemelha à doutrina da “democracia militante” desenvolvida na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial para combater o fascismo, na qual o governo pode proibir políticos considerados uma ameaça.

Os Estados Unidos preferiram deixar isso para os eleitores, embora os tribunais de todo o país estejam agora avaliando a elegibilidade de Trump, e espera-se que a Suprema Corte dos EUA acabe decidindo a questão.

À medida que o apoio político de Jair Bolsonaro fracassou – e enquanto ele enfrenta uma série de investigações criminais, incluindo uma relacionada com 8 de janeiro – ele deixou de alegar ter sido vítima de fraude eleitoral. Já nos EUA, Donald Trump intensifica as mentiras, diz Nicas.

“Em um comício de campanha na sexta-feira, ele chamou os presos nas acusações de 6 de janeiro de “reféns” e afirmou falsamente que o movimento antifa de extrema esquerda e o F.B.I. estavam “liderando o ataque” no motim. “Vocês viram as mesmas pessoas que eu”, disse ele aos apoiadores.

Uma pesquisa no mês passado mostrou que um quarto dos americanos agora acredita que o F.B.I. agentes “organizaram e encorajaram” o ataque de 06 de janeiro. Para Levitsky, essa estatística ilustra o que os Estados Unidos podem aprender com o Brasil neste caso: “O que os líderes dizem e o que os líderes fazem é importante”.

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