A professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Telma Vinha, uma das maiores estudiosas sobre conflitos em escolas do país, disse em entrevista ao Estadão que não se pode resolver problemas de violência ou preconceito apenas com expulsão.
A discussão veio à tona ao abordar o recente caso de racismo envolvendo a filha da atriz Samara Felippo. “O Brasil pune muito, mas não educa”, afirma.
Confira alguns trechos:
A atriz Samara Felippo, mãe da menina vítima de racismo, tem pedido a expulsão das colegas, assim como muitos pais nas redes sociais, em grupos de pais no WhatsApp. Como a escola deve agir?
A exclusão de um ambiente escolar é uma reivindicação legítima porque só a família e vítima sabem da sua dor. Os sujeitos mais importantes nessa história são a vítima e a família dela. E o caminho legal é uma possibilidade, mas a perspectiva que a gente traz é pensando na escola como um papel pedagógico. Porque, mesmo sendo crime, estamos falando de uma da escola, um lugar de aprendizagem, convivência, de aprender a viver na sociedade.
A expulsão da escola pode sinalizar a todos que isso não é permitido, que isso é muito grave, mas a função educativa da escola tem de se pautar por conscientização, reparação. Defendo a escola como transformadora. E errar e aprender com o erro faz parte, principalmente quando são crianças ou adolescentes. Ensinar os colegas que você pode errar e superar os erros também faz parte da educação, que tem de ser humanizadora.
A gente tem de tomar muito cuidado para não criminalizar a juventude. O adolescente não tem de ser destruído por um erro, mesmo, que seja uma violência. No próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, o ato infracional é visto como medida socioeducativa, então o adolescente não é punido como adulto. O objetivo da medida socioeducativa é fazer com que o adolescente entenda a consequência das suas ações. Se pelo ECA ele é reintegrado à sociedade, a gente sempre defende que ele passe por uma reintegração positiva naquela comunidade que ele está, que é a escola.
Mas as pessoas defendem tolerância zero, como se aprendizagem se desse por punição vexatória, exagerada. E nos estudos que a gente faz de radicalização dos jovens, isso é um prato cheio. A humilhação faz com que eles eles encontrem lugares em que esses sentimentos são canalizados. (…)
E como deve ser a atitude com a vítima?
A primeira coisa é escuta e acolhimento, sem ter a dor minimizada. Não se pode passar pano ou perguntar o que ela fez para aquilo acontecer. Quem vai abordar tem de ser uma pessoa preparada, com comunicação não violenta e que seja próximo a essa criança, alguém que ela confia e que tenha o máximo de informação possível. Quando você vai conversar com a vítima, é preciso saber como ela se sente, o que gostaria de ser feito para que ela se sinta bem.
Às vezes, por exemplo, a pessoa só quer um pedido de desculpas e uma garantia que isso não se repetirá. Não é que você está minimizando, mas para ela aquilo é suficiente. As escolas também precisam dar retorno rápido para a família da vítima, porque às vezes a escola tem ações, mas não comunica os envolvidos. Aí a sensação que os pais têm é de que não se está fazendo nada. (…)
Mas esse é um papel da sociedade toda também, do coletivo.
(…) Sim. Uma educação antirracista deve ocorrer na escola, mas não somente na escola. A família tem de trabalhar com os filhos que não existe piada racista, que isso é violência. Se tem criança brincando na minha casa e ela xinga o outro de rolha de poço, você faz uma intervenção e fala: “por que que você chamou alguém assim? Você está bravo com ele e ofende, pegando uma característica física?” E a escola também tem de trabalhar com as famílias. Trabalhar por meio dos conflitos que aparecem.
Essa comunidade pode discutir e não só conversar no sentido de “vamos expulsar”, mas o sentido de que isso pode acontecer com o filho de qualquer um. Aquela comunidade pode ou não sair mais fortalecida. Isso é a ideia do coletivo, mas o Brasil é um país que pune muito. E vê a mediação do conflito como passar pano. Tudo a gente pune, e não educa.