Brasil tem 74% que apoiam democracia, mas quantos desses abraçam golpista? Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 21 de dezembro de 2023 às 10:44
Atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

Quase três em cada quatro brasileiros (74%) preferem a democracia, enquanto democracia e ditadura são indiferentes para 15%. Já para 7%, a ditadura pode ser melhor que a democracia, segundo Datafolha divulgado nesta quinta (21). Para efeito de comparação, 7% também acreditam que a Terra é plana, segundo o último levantamento do instituto sobre o assunto.

Não estou inferindo que os que são a favor da ditadura também são terraplanistas, mas em ambos os casos temos a importância da educação para evitar que oportunistas manipulem a ignorância de outros milhões.

Uma educação que ensine o básico da ciência reduz a quantidade daqueles que acreditam que o mundo tem borda. Enquanto 10% dos que terminaram apenas o ensino fundamental afirmavam que a Terra é plana, segundo o Datafolha, a taxa entre os que concluíram o ensino médio era de 6% e o superior, 3%.

O mesmo ocorre com o ensino de História, que tem o poder de diminuir a quantidade daqueles que endeusam governos autoritários porque desconhecem a sua natureza e seus efeitos. Diminuir, claro, não zerar, porque há muita gente que ganha dinheiro se associando com quem tenta golpes de estado – haja vista o linchamento da democracia no grupo de WhatsApp de ricos empresários bolsonaristas durante as eleições.

Esses números parecem vistosos, bom para político bater no peito e dizer que o país não aceita aventuras autoritárias. Mas tão preocupante quanto os 7% que se colocam pró-ditadura são os 15% que afirmam que tanto faz (o que pode ser uma variação envergonhada daqueles que torcem o nariz para a democracia ou que desconhecem mesmo o que é um ou outro). Somam-se a eles os 4% que não sabem. Isso dá 26%, mais de um em cada quatro brasileiros. Ou seja, 52,7 milhões.

Para além disso, é um tanto quanto perigoso afirmar que os 74% que dizem apoiar a democracia colocam isso de fato em prática. Sim, esse número precisa ser relativizado, pois há quem abrace governantes autoritários achando que está louvando democratas.

No grupo de zap supracitado, por exemplo, bolsonaristas acusavam pessoas de serem autoritárias simplesmente porque se colocavam contra aos atos golpistas de Jair.

Ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

Não foram os únicos. Entre os que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro, invadindo e vandalizando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, muitos acreditavam estar em uma revolução para impedir um governo ditatorial chegar ao poder e garantir a permanência do democrata. Não percebiam que estavam, pelo contrário, agindo como golpistas para que a vontade da maioria nas urnas fosse subjugada às necessidades de um autocrata.

É isso o que acontece quando um grupo é bombardeado por ficção monotemática produzida por seus líderes e não pelo conjunto plural do debate público que inclui atores da ciência, do jornalismo, da política, da economia, da sociedade, cheia de contraditórios e entretantos.

Passamos tanto tempo nos preocupando em garantir que os mais jovens decorassem datas de “descobrimentos” e locais de batalhas que não fomentamos o pensamento crítico. Pior: o ensino de história tem sido sistematicamente atacado por aqueles que desejam reescrever a história do Brasil sob sua imagem e semelhança. Para tanto, lutam para que a escola seja o local da decoreba, não do debate e da discussão. “Escola sem Cérebro”, para ser mais exato.

Precisamos proteger o ensino de História nas escolas contra a sanha estúpida de pessoas e movimentos que desejam que você saiba a data em que foi assinada a Lei Áurea, mas não um debate que esclareça porque o 13 de maio de 1888 não garantiu liberdade e autonomia aos negros e negras deste país. Ou que defendam que a criança aprenda que a Segunda Guerra Mundial começou quando a Alemanha invadiu a Polônia, mas reclama se professores discutem em sala sobre o que pregavam os capitalistas, socialistas e nazistas envolvidos no conflito.

Precisamos que a História da ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, seja conhecida e discutida nas escolas a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente. E de forma que aqueles 74% possam passar de 90%.

No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões que eles queriam impor. Centenas de milhares queimaram até as cinzas. Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos. A Alemanha “purificou pelo fogo” as “ideias imundas deles”, da mesma forma que, durante a Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram discordar.

Hoje, as fogueiras e as praças são virtuais. Mas queimam da mesma forma.

Originalmente publicado no Uol

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