Brasileiros procuram Portugal para fugir de “momento tenebroso”

Atualizado em 8 de maio de 2019 às 10:07
Bandeira de Portugal. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente no Diário de Notícias

Miriam Guimarães, professora brasileira reformada, decidiu imigrar para Portugal e não esconde que o “momento muito tenebroso no Brasil” está a levar muitos compatriotas a fazer o mesmo, deixando o país.

“A gente está vivendo um momento muito tenebroso no Brasil, em termos de política, em termos de segurança, em termos de saúde pública”, afirmou em declarações à Lusa, em Lisboa, onde procura agora um trabalho que complemente a pensão que recebe do Brasil.

Miriam imigrou para Portugal, como diz, “impulsionada por motivos pessoais”, como o divórcio e porque os filhos já são adultos. Mas foi a situação política e económica que o Brasil atravessa, após a eleição de Jair Bolsonaro (extrema-direita) para Presidente da República, que fez pesar na decisão.

“Não tenho filhos pequenos e já sou aposentada, resolvi cuidar de mim, mas não posso tirar esse olhar do Brasil. É muito duro para mim”, considerou.

Com 55 anos, Miriam chegou a Lisboa em dezembro de 2018, ao abrigo da nova Lei para os estrangeiros aposentados e aguarda agora pela marcação da chamada ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ainda durante o mês de abril. “Aí eu entrego os documentos para o cartão de residência e fico procurando o que fazer”.

Escolheu Portugal precisamente pela “história” dos “aposentados poderem vir para cá”. Além disso, a filha, que mora fora do Brasil, tem ideia de fazer um mestrado numa universidade portuguesa.

A agora imigrante brasileira em Portugal trabalhou como professora de inglês e de português durante 28 anos, no Brasil.

“A minha aposentadoria é transferida mensalmente para cá, mas eu preciso e quero uma complementação da minha renda (…) Achei coisas interessantes aqui”, contou.

Miriam enquadra-se no novo perfil de imigrantes brasileiros em Portugal, os aposentados, que procuram mais qualidade de vida.

“Eu sou brasileira e adoraria estar lá no meu canto, na minha terra, se eu tivesse segurança, atendimento hospitalar, onde os filhos e netos tivessem a educação correta. Mas todos esses direitos, que qualquer cidadão tem, não estão acontecendo no Brasil já tem algum tempo”

“Eu sou brasileira e adoraria estar lá no meu canto, na minha terra, se eu tivesse segurança, atendimento hospitalar, onde os filhos e netos tivessem a educação correta. Mas todos esses direitos, que qualquer cidadão tem, não estão acontecendo no Brasil já tem algum tempo”, sublinhou.

A questão da habitação, apontou, foi a dificuldade que encontrou em Portugal. “Lisboa está muito inflacionada, é tudo muito caro”.

Miriam Guimarães está a pagar por um quarto na zona das Laranjeiras, em Lisboa, 300 euros. De resto, conta, Portugal é “um país legal”.

Já a realidade de Oney Pereira Mendonça, 48 anos, é bem diferente. Motorista de pesados de profissão, está a começar tudo de novo, pela segunda vez, em Portugal.

A legalização e as equivalências profissionais para poder arranjar um emprego são as principais preocupações.

Resolver uma situação económica difícil que já herdou do Brasil é o principal objetivo.

Quando falou com a Lusa tinha chegado há duas semanas a Lisboa e estava na Casa do Brasil à procura “do encaminhamento” para obter as equivalências das certificações e carta de motorista.

“Porém, para que eu esteja trabalhando com pesado aqui, tem várias coisas antes. Tenho que tirar toda a documentação, o Certificado de Habilitação de Motorista e assim sucessivamente. Eu tenho no Brasil, mas os de lá não atribuem aqui”, explicou Oney, que deixou a restante família no Brasil.

“O Brasil encontra-se numa situação muito difícil politicamente”

“O Brasil encontra-se numa situação muito difícil politicamente”, afirmou, justificando desta forma a partida para Portugal.

“No Brasil os políticos querem apenas roubar. As pessoas não têm coragem de dizer, mas a realidade é essa. Então eles não atendem à população, eles pegam nas verbas que são disponibilizadas para os fins públicos e usam para si próprios”, relata, reforçando o descontentamento com a “sujeira” que vê no Brasil.

Por enquanto vive num pequeno quarto em Negrais, Lisboa, e trabalha numa oficina. Conta que foi o patrão “que conseguiu esse sítio”, a 100 metros do trabalho, onde também faz as refeições.

“A burocracia é muito complicada”, aponta como sendo a grande dificuldade sentida em Portugal.

Por agora, vai ficar, como muitos outros imigrantes, a adiar objetivos até conseguir os recursos financeiros para se legalizar. Até lá ganha 30 euros por dia na oficina.

“Por enquanto, não é grande coisa. Mas estou me regrando [poupando] para poder pagar essas taxas”, concluiu.

Imigração brasileira em Portugal continua a crescer

Cem dias depois de Jair Bolsonaro ter tomado posse como Presidente do Brasil, são cada vez mais os brasileiros, de todas as classes e perfis, que procuram “melhor qualidade de vida” em Portugal, segundo a Casa do Brasil.

Muitos destes estão “bem informados e já com uma imigração planeada”, outros atraídos por ‘contos’ nas redes sociais sobre um “el dourado”, que não existe, conta a presidente da Casa do Brasil, Cíntia de Paulo, explicando, em entrevista à Lusa, porque é que também os pedidos de retorno ao país de origem estão a crescer, como confirmam dados da Organização Mundial das Migrações (OIM).

A presidente da Casa do Brasil disse que, sobretudo no último ano, iniciou-se uma nova vaga de imigrantes brasileiros para Portugal, que se acentuou no final de 2018 e início deste ano.

“Eu arrisco a dizer que no último ano, acentuando-se no final de 2018 e início deste ano, houve uma chegada muito representativa” de imigrantes brasileiros a Portugal, indicou a presidente da associação, sem fins lucrativos, que apoia estas pessoas.

A responsável referiu que “é uma nova vaga muito diferente das outras, com um aglomerado de perfis” e que veio para ficar, para “construir aqui”.

No ano passado, só a Casa do Brasil em Lisboa, atendeu 476 novas pessoas (estão apenas contabilizados os que procuram pela primeira vez a associação). Já este ano, desde janeiro até agora, tinha atendido 278 novas pessoas, disse a responsável, que faz parte da associação desde 2012 e é presidente desde 2017.

Na história da imigração brasileira para Portugal já houve momentos de muita afluência como o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, recorda, reafirmando que neste momento “há uma chegada bastante expressiva”.

Esta nova vaga é composta por diversos grupos, desde as pessoas com menos qualificação profissional, a um maior número de pessoas com mais qualificação, muitos estudantes universitários, que já estavam a chegar desde 2009, mas que continuam a crescer, explicou.

Mas há também a introdução de uma nova comunidade, a dos aposentados, os que têm rendimentos próprios no Brasil e a possibilidade de ter agora em Portugal o visto para aposentado, e ainda uma classe mais alta, que dentro do bolo da nova chegada não é “tão representativa”, adiantou Cíntia de Paulo.

Os mais representativos “são os profissionais mais qualificados, da faixa entre os 30 e os 40 anos”, acrescentou.

Dos que vão à Casa do Brasil, o motivo comum que os leva a deixar o país de origem é “a procura de uma melhor qualidade de vida”, assegurou.

“Desde a destituição da Presidente Dilma [Rousseff – que sucedeu a Lula da Silva na presidência do Brasil] que sentimos que há na população brasileira uma descrença muito ligada às questões económicas, como o desemprego, que cresceu nesse tempo e já vinha a crescer antes

“Desde a destituição da Presidente Dilma [Rousseff – que sucedeu a Lula da Silva na presidência do Brasil] que sentimos que há na população brasileira uma descrença muito ligada às questões económicas, como o desemprego, que cresceu nesse tempo e já vinha a crescer antes”, referiu também.

“E sentimos que há um descontentamento e uma incerteza do que vai ser o Brasil, no próximo mês, por exemplo. No próximo ano, então, a incerteza é muito maior”, acrescentou.

Por isso, chegam “com uma preocupação com melhor qualidade de vida, melhor oportunidade de trabalho, mas sobretudo de segurança”.

“Sentimos que é uma comunidade que vem, não só para trabalhar e mandar remessas para o Brasil, como acontecia nas várias passadas. Mas uma população que quer contribuir para Portugal, que quer aqui trabalhar, trazer os seus conhecimentos, aplicar aqui a sua profissão, investir, pequenos investidores, pequenos empresários – que não só a classe alta faz investimento -, são investidores com pequenas ideias e negócios”, sublinhou Cíntia de Paulo.

Ou seja, trata-se de uma comunidade que “veio para contribuir”, que pretende construir e trazer para Portugal as suas famílias.

“Sentimos já a chegada de famílias, o que revela um maior planejamento do processo migratório. Alguns até já vieram num passeio a Portugal antes, ou estudaram melhor o processo”, conta.

Mas, também “continuam a chegar alguns com menos conhecimento da situação, nomeadamente do problema da habitação nos grandes centros urbanos, que é uma das dificuldades novas que antes não se colocava tanto”.