Bresser-Pereira explica por que “governo neofascista” de Bolsonaro prejudica a economia. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 19 de novembro de 2019 às 10:46
Luiz Carlos Bresser-Pereira. Foto: Ricardo Bastos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira pulou do barco a tempo de não manchar sua biografia. Ao sair do PSDB em 2011, reafirmou sua postura econômica heterodoxa, em sentido contrário à onda neoliberal. Desde então, tem se posicionado com veemência ao lado das causas populares, liderando uma corrente econômica de matriz keynesiana que chama de novo desenvolvimentismo. No último dia 4 de novembro, Bresser participou, na Universidade de Lisboa, de um ciclo de conferências intitulado Diálogos Luso-Brasileiros. O DCM teve acesso ao pronunciamento do ex-ministro em Portugal, uma veemente defesa da democracia ora aviltada do lado de cá do Atlântico.

Suas primeiras palavras no evento foram as seguintes: “Enquanto, desde 2008, o neoliberalismo está em crise econômica no mundo rico, e, desde 2016, em crise política, sob ataque de um nacionalismo de direita, no Brasil existe hoje um estranho casamento entre o neoliberalismo e esse tipo de nacionalismo”.

Como se sabe, os neofascistas mundo afora atacam não só a democracia liberal, mas também o projeto econômico neoliberal e a globalização. No Brasil, caso sui generis, ocorre o seguinte, segundo Bresser: “O governo Bolsonaro é um governo neofascista que ataca não somente a democracia, mas também o Estado de bem-estar social e os direitos republicanos ao ambiente e, ao invés de se opor ao neoliberalismo como acontece no Norte, a ele se associa”.

A plateia portuguesa, atenta ao que dizia o professor da Fundação Getúlio Vargas no prestigioso Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, teve também uma breve aula de história. Paulo Guedes deveria ser chamado a ouvir: “Os resultados econômicos da dominação neoliberal foram lamentáveis no Brasil. Enquanto, entre 1980 e 2019 a taxa de crescimento por habitante foi de apenas 0,8 por cento ao ano, nos países periféricos foi de 3 por cento. Nos países ricos, foi de 1,9 por cento ao ano. O Brasil ficou definitivamente para trás nesses 40 anos, desindustrializou-se de forma radical. Sua indústria, que representava 25 por cento do PIB nos anos 1970, hoje representa 10 por cento. Em 1990, as exportações de bens manufaturados representavam 62 por cento do total das exportações, hoje representam apenas 30 por cento”.

Esse cenário contínuo de entrega da economia ao rentismo, salientou Bresser, esteve levemente ameaçado durante os governos do PT, nada definitivo: “Nos anos de governo do Partido dos Trabalhadores (2003-2016), ainda que se tenha procurado adotar políticas industriais e promover o aumento necessário naquele momento do salário mínimo, o liberalismo econômico continuou dominante. Houve apenas uma tentativa, em 2011, de retornar ao regime desenvolvimentista (do Pós-Guerra a meados dos anos 70), mas foi uma tentativa mal concebida e logo abandonada”.

Ao analisar a crise global de 2008 e suas consequências, Bresser não economizou em sarcasmo, recurso retórico que, como se sabe, irrita profundamente os neoliberais, os quais frequentemente exibem sua falta de humor em colunas na imprensa tradicional.

“Os rentistas, tanto os pequenos quanto os grandes, estão pagando o custo da crise de 2008 com os juros negativos que já alcançam cerca de um terço dos ativos financeiros das famílias. Os pequenos rentistas e os aposentados protestam; os grandes rentistas estão sendo obrigados a rever sua fé no liberalismo econômico radical que apoiaram nos últimos 40 anos. Um capitalismo que nesse período se tornou um capitalismo financeiro-rentista, estabeleceu o liberalismo econômico como religião, o combate à inflação como ‘the only game in town’, e tornou os muito ricos ainda mais ricos. De repente, porém, não obstante a prioridade que sempre deram a taxas nominais de juros relativamente altas e a inflação baixa para lograrem o aumento dos juros reais, estes se tornaram negativos”, descreveu.

A fala de Luiz Carlos Bresser-Pereira em Lisboa soma-se a uma série de eventos em que intelectuais brasileiros têm tentado mostrar ao mundo o que acontece no Brasil de Bolsonaro e Paulo Guedes. Espera-se que surta efeito. Perto de encerrar, o pai do novo desenvolvimentismo brasileiro resumiu o horror que domina o Brasil neste momento:

“Temos no Brasil um estranho casamento entre um nacionalista de extrema-direita e o neoliberalismo, enquanto no mundo rico o nacionalismo de direita de opõe ao neoliberalismo. Este último pode ser detestável, mas tem uma lógica – significa o reconhecimento do fracasso do projeto de globalização e a defesa do nacionalismo econômico. Já no Brasil, a lógica é meramente oportunista. Para o presidente foi uma forma de obter o apoio das elites econômicas. Para estas elites, uma forma de obter as reformas que lhes interessam, que colocam todo o peso do ajuste nas costas dos assalariados, não importando que em troca o governo possa cometer violências contra direitos civis, a Universidade, o ensino fundamental, a cultura, a saúde e a proteção do ambiente”.