Breve ensaio sobre a miopia amorosa. Por Fabio Hernandez

Atualizado em 16 de junho de 2015 às 23:20

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Meu tio Fabio, um homem sábio do interior, certa vez me disse o seguinte: “Mantenha distância de mulheres que usem muito as palavras eu, meu e minha. Prefira as que falem nós, nosso e nossa.”

Algumas vezes não segui os conselhos de tio Fábio, Deus o tenha. E em todas me dei mal. Topei com mulheres egocêntricas, para as quais poucas coisas, se é que alguma, importavam além delas mesmas.

A boa relação amorosa só é boa porque os dois pensam menos em seus interesses pessoais e mais nos interesses de ambos.

Não estou dizendo aqui, longe disso, que você deve abdicar de suas vontades. Quando você faz isso começa a morrer. O que estou propondo – aliás, nem sou eu, mas tio Fabio – é que se levem em consideração as vontades dos dois.

E lá vou eu para uma digressão. Um amigo meu, Carlos, um grande cara, sempre bem-humorado, gosta de contar sorrindo que sua namorada enlouquece quando ele está no Instagram e a foto de uma mulher passa no feed. Ela manda Carlos parar de segui-la.

Um dia esse sorriso fatalmente desaparecerá. Carlos abdicou de sua vontade. E foi ajudado por uma namorada que diz copiosamente “eu, meu e minha”. Namoros assim não podem dar certo. E não dão.

Você tem que doar algo no amor. E a mulher também tem que doar algo a você. O grande amor, o amor verdadeiro, é essencialmente solidário e altruísta.

Ela quer sair pra dançar. Você quer ficar em casa comendo pipoca e vendo a reprise de um jogo do campeonato inglês. É uma situação absolutamente normal. Banal. Ela se complica quando nem você consegue enxergar o desejo dela, nem ela o seu.

Os dois são, nesse caso, amorosamente míopes. E não há nada, nem mesmo uma abrasadora química que leva a um sexo extasiante, que resista à miopia amorosa. O míope amoroso só vê a si próprio. E depois, quando as coisas não dão certo, atribui toda a responsabilidade à outra parte.

Permissão para mais uma digressão? Obrigado.

O míope amoroso (homens e mulheres estão incluídos nessa categoria, evidentemente) jamais limita sua miopia ao campo do amor. Estende a todas as outras atividades. No trabalho, o chefe é, para ele, sempre um tirano injusto. E o colega, na visão parcial e distorcida dele, está sempre pronto para puxar seu tapete. Quando um projeto fracassa, a culpa é jamais do míope.

O míope amoroso é míope profissional também. O mundo o persegue, cruel como um cossaco russo.

Reconhecer uma mulher que só pensa nela mesmo é fácil. Ela pode ser esperta o bastante para não abusar do uso de “eu, meu e minha”.

Mas numa conversa, quando você estiver falando de suas coisas, os olhos dela rapidamente voarão para um ponto bem distante. Ela não prestará atenção senão no que disser a respeito dela mesma.

A mulher de vista plena, em oposição à míope, olhará fixamente nos olhos. Ouvirá com devoção cada palavra que você disser, mesmo que não concorde com nada. E depois será capaz de reproduzir suas falas nas vírgulas.

Os relacionamentos são todos difíceis, sabemos nós. Mas são simplesmente impossíveis quando a seu lado está uma míope amorosa. Aí, por mais esforço que você dedique ao namoro, por mais empenho que tenha para que as coisas funcionem, se tratará de mais um triunfo da esperança sobre a experiência, para usar a clássica expressão do Dr. Johnson.