Breves comentários sobre o julgamento das prisões após condenação em segunda instância. Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 29 de outubro de 2019 às 7:21
Dias Toffoli no STF. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente no Empório do Direito

POR AFRÂNIO SILVA JARDIM, professor associado de Direito Processual Penal da UERJ, mestre e livre-docente em Direito Processual, Procurador de Justiça (aposentado)

O Supremo Tribunal Federal está julgando (o julgamento ainda não terminou) três ações diretas de constitucionalidade da regra do artigo 283 do Código de Processo Penal.

Trata-se de decidir se o nosso sistema jurídico admite ou não a chamada execução provisória ou antecipada da pena privativa de liberdade, mormente diante do princípio constitucional da presunção de inocência (art.5º, inc.57, da Constituição de República).

Sete votos já foram proferidos, após excelentes sustentações orais de inúmeros e talentosos advogados.

Nesta oportunidade, tendo em vista a relevância deste julgamento, suas amplas consequências jurídicas e a sua grande repercussão, colocamos, nesta coluna, na ordem cronológica, algumas “notas” que fomos elaborando durante a assistência da sessão do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

São “notas” singelas e destinadas a público não especializado, todas improvisadas pela oportunidade de sua divulgação e “carregadas” de certa dose de emoção.

UMA VERGONHA !!! MOLECAGEM NO S.T.F. !!!

O ministro Luiz Fux deseja ver apreciada, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, uma inusitada preliminar de que “o Tribunal não poderia alterar sua jurisprudência em tão pequeno espaço de tempo” !!!

Preliminar absolutamente infundada e ridícula, nunca antes cogitada em momento algum da história do nosso Direito !!!

Durante o julgamento, ninguém “deu bola” para esta bizarra “preliminar” … talvez dela se esqueceram ou fingiram que se esqueceram para não melindrarem o “ministro espertalhão” !!!

Saudades do tempo em que o Ministério Público era realmente fiscal da correta aplicação da constituição e das leis, época em que era uma instituição séria e democrática. Incrível: a Procuradoria Geral da República aderiu a esta anômala e deletéria “preliminar” e sustentou a inconstitucionalidade da regra absolutamente constitucional (art.283 do C.P.P) !!!

Aliás, a fala (lida) do novo P.G.R. não concatenou bem as suas ideias, sendo, por vezes, sem qualquer sentido ou lógica !!! Como sustentar que uma regra processual que consagra um princípio expresso na constituição pode ser inconstitucional, merecendo interpretação que nega a sua própria literalidade ???

Lastimável a fala do Advogado Geral da União. Como um profissional como este aceita sustentar o insustentável? Fiquei até com um pouco de pena dele …

Trata-se de julgar a constitucionalidade da regra do artigo 283 do Código de Processo Penal, que exige o trânsito em julgado da condenação para se iniciar a execução da pena.

A falta de pudor dos punitivistas não tem limite !!!

O punitivismo perturba a já não muito acentuada honestidade intelectual de muitos …

A “maluca” preliminar de que o S.T.F. não poderia modificar seu entendimento importaria o fechamento de suas portas. Neste caso, sequer precisaria de um cabo e um soldado(sic).

ATÉ PARECE BRINCADEIRA!!!
MINISTROS DO S.T.F. APRESENTAM VOTOS COM FORTE CARGA DE CINISMO!!!

Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal estão votando no sentido de que seria inconstitucional a interpretação do artigo 283 do CPP que diga o que ele diz (sic).

Alguns ministros estão votando no sentido de que seria inconstitucional exigir o trânsito em julgado da condenação para a prisão automática. Vale dizer: seria inconstitucional exigir-se o trânsito em julgado para a execução de pena de prisão, conforme exige a regra processual. Em outras palavras: seria inconstitucional o que já dispõe a própria Constituição da República !!!

Entretanto, este artigo 283 do Cod.Proc.Penal não está em testilha, em conflito, com nenhuma regra ou princípio constitucional. Ao contrário, se harmoniza com o princípio da presunção de inocência, que se encontra no art.5, inc.57 da própria Constituição Federal !!!

Vejam o que diz o claramente constitucional artigo do Cod.Proc.Penal.

Artigo. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”.

Não tem qualquer sentido, no caso deste julgamento, considerar aumento ou diminuição da população carcerária, antes ou depois desta ou daquela regra jurídica. Este cínico enfoque visa apenas desvirtuar o foco do debate.

Na verdade, eles sabem que não estão votando corretamente. Eles também sabem que nós sabemos que eles não estão votando corretamente.

O punitivismo pode até cegar muitas pessoas, mas outras agem mais por carência de maior honestidade intelectual.

A hipocrisia está disseminada em nossa sociedade e já contamina o nosso sistema de justiça criminal.

Em resumo, eles estão zombando e fazendo pouco da nossa inteligência. Votos bizarros e vergonhosos.

ELES PODEM TUDO !!!

Se ministros do Supremo Tribunal Federal têm a ousadia de dizer que o artigo 283 do Código de Processo Penal não está conforme a Constituição Federal, eles praticamente podem tudo e nós não temos mais garantia de nada !!!

Vejam as regras em comparação:

“Artigo 283: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”

“Artigo 5, inc. LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Na verdade, eles afirmam que tal regra do Código de Processo Penal tem de ser interpretada em DESconformidade com a Constituição. Eles dão ao art.283 uma interpretação que o leva a uma gritante inconstitucionalidade. Inusitado e bizarro.

O punitivismo tira das pessoas o senso do ridículo.

O punitivismo nos leva ao autoritarismo e ao fascismo.

O punitivismo é um perigo para a democracia e para o Estado de Direito.

O punitivismo somente sobrevive da má-fé e da hipocrisia.

BRILHANTE O VOTO DA MINISTRA ROSA WEBER. ELA RECONHECEU QUE O ARTIGO 283 DO COD.PROC.PENAL É CONSTITUCIONAL.

Lamentavelmente, em tempo de punitivismo, dá trabalho e exige muita e densa argumentação para se dizer o óbvio.

A Ministra Rosa Weber foi além das expectativas e demoliu as falácias dos ministros Moraes, Barroso e Fachin.

Reputo como excelente e erudito este voto.

Entretanto, embora ela tenha se justificado satisfatoriamente, fica muito difícil explicar a segregação de todos aqueles que ficaram presos por todo este tempo, apenas em razão de um tal  “princípio da colegialidade”. No julgamento anterior, a ministra privilegiou este “princípio” e foi a favor da manutenção de prisões inconstitucionais e ilegais (art.283 do C.P.P.).

O resultado do julgamento deve ser 6 x 5 pela constitucionalidade do citado artigo processual, vale dizer, pela vedação da execução provisória ou antecipada da pena.

O voto do ministro Ricardo Lewandowski  também foi excelente. Apesar de curto, tal voto foi técnico e nele se fez uma crítica contundente aos falaciosos e autoritários argumentos que procuraram contornar a clara constitucionalidade de art.283 do Cod.Proc.Penal, através de argumentos não jurídicos e interpretações absurdas, decorrentes de comprometimentos com determinados grupos de pressão.

O ministro fez uma grave e contundente referência à ditadura militar que, no passado recente, constrangeu a nossa sociedade e o próprio Poder Judiciário.

UM VOTO MEDÍOCRE DE QUEM NÃO SE PREPAROU PARA PARTICIPAR DE UM JULGAMENTO TÃO RELEVANTE.

Já não preciso esperar o final do voto do ministro Luiz Fux. Ele já se mostrou absolutamente medíocre, bizarro e fraquíssimo.

O ministro chegou a dizer que ““uma Corte vive da confiança que o povo nela deposita” !!!

Tenho dito que o punitivismo cega as pessoas.

Vou mais longe: o punitivismo tira das pessoas o senso de ridículo e as transforma, por vezes, em personagens patéticos !!!

Quem não é preparado deve ter o maior cuidado em se preparar. Que vergonha dar um voto deste nível perante milhares de juristas que estão assistindo ao julgamento pela televisão !!!

Será que o ministro pensa que engana todos nós???

Será que ele pensa que nós não estamos vendo o seu punitivismo e a sua frágil e inconsistente improvisação ???

Chega a ser falta de respeito para com o tribunal e a comunidade jurídica.

Em resumo: uma “cena” lamentável e mesmo deprimente !!!

Em tempo: continuando a ouvir o voto, cheguei à conclusão de que há uma certa ausência de boa-fé.

Ele chegou a dizer que a mídia não forma a opinião pública, mas é a opinião pública que influencia a mídia.

Depois, ele assevera que o juiz não pode “dar as costas” ao que deseja o povo !!!

Em seguida, continuou a falar uma série de bobagens, tudo em total improviso. Triste.