Brigas, racismo, falta de segurança e de comida: por dentro da escola em SP alvo de atentado

Atualizado em 29 de março de 2023 às 8:36
Muro da Escola Estadual Thomázia Montoro após vigília nesta terça-feira (28). Foto: Victor Dias

Na segunda-feira (27), a Escola Estadual Thomázia Montoro, da Vila Sônia (SP), foi palco de um atentado protagonizado por um aluno de 13 anos. O menino levou uma faca para o colégio e atacou cinco pessoas. Uma das professoras, Elisabete Tenreiro, de 71 anos, foi esfaqueada e não resistiu aos ferimentos.

Relatos de ex-alunos e familiares apontam o descaso com os estudantes, com falta de funcionários, de segurança e de alimentação. Segundo dados do Censo Escolar, a instituição conta com 15 professores para 300 alunos matriculados do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.

Falta de alimentação

Avó do aluno Marcos, de 11 anos, Maria Eudete disse ao DCM que o colégio, em 2022, ficou o ano inteiro sem distribuir merenda para os alunos. “Não tinha comida. Meu neto teve que trazer marmita o ano inteiro. Disseram que não faziam comida por falta de funcionário. O antigo diretor liberou uma pessoa para esquentar os alimentos das crianças”, disse. “A mesma pessoa que limpava a escola ficava na cozinha para fazer essas coisas. Não dava conta”.

Ela contou que, neste ano, houve uma mudança na direção e as crianças passaram a receber a devida alimentação. Maria disse também que o caso abalou Marcos: “Foi um milagre. Ele nunca falta na escola, mas decidiu não ir no dia do ataque. Ele está muito chateado. Agora quer sair”.

Brigas e segurança

Davi José, 16, afirmou que se envolveu em uma briga com o agressor na época em que estudava no colégio. Ele deixou a instituição em 2021, após finalizar o 9º ano do fundamental.

“Ele era agressivo. Iniciou uma briga por ciúmes. Eu andava com canivete para me prevenir. Essa escola tem histórico de muitas brigas e eu ficava com receio. Me acusou de tê-lo perfurado, mas sentiu ciúmes de uma amiga minha. Ele gostava dela”, disse. “Xingava e batia por qualquer motivo. Batia em todo mundo e ninguém conseguia ‘peitar’ ele. Sempre foi muito defendido pelos amigos”.

Davi contou também que os funcionários da escola não faziam nada para acabar com as confusões, que eram constantes: “Não tinha idade e nem gênero, meninas e meninos brigavam toda hora. A gente até avisava, mas não tinha ninguém pra separar. Era um descaso. Eles não ligavam paras as tretas”.

Ex-alunas Valéria Civitate e Vivian Civitate, mãe e filha, prestam homenagem a professora assassinada na Thomázia Montoro. Foto: Victor Dias

Bullying e descaso com alunos

No Google, a Thomazia Montoro apresenta avaliações negativas de pais e ex-alunos que relataram bullying e descaso.

“Minha filha tem deficiência e ela estudou nessa escola. Estou muito magoada, pois maltrataram a minha filha e agora ela tem que passar em psicólogos para tratar os traumas que ela tem dessa escola por conta da direção, professores”, relatou Ana Rodrigues, há um ano. “Os alunos faziam brincadeiras de mau gosto com ela. Lembro que fui falar com a coordenadora da escola e ela me tratou super mal e disse que os alunos não faziam nada disso. Irei procurar o Conselho da escola!”.

Relato de Ana Rodrigues, mãe de uma ex-aluna da Thomázia Montoro. Foto: Reprodução

Há dois anos, o ex-aluno afirmou que tudo que era diferente virava alvo de opressão praticada por outros estudantes.

“Essa é a pior escola que eu frequentei. Professores não estão nem aí pros seus alunos, o mediador nem se fala, não faz nada que preste, eu passei o ano letivo inteiro chorando porque eu não tinha paz naquela escola. Tudo que era diferente era alvo de opressão, nós vamos a escola para estudar, não para apanhar, ser oprimido, e ter que aguentar tudo de boca fechada, ninguém resolvia nada e ficava por isso mesmo, se a gente ia reclamar para um professor, um mediador ou até mesmo a diretora, nada se resolvia e continuava a opressão”, disse.

“Tentei me suicidar por causa disso, a sorte é que me socorreram a tempo, eu passei três meses com medo de pisar em uma escola por causa disso. Essa é, sem dúvida, a pior escola”.

Relato de Nicholas Oliveira, ex-aluno da Thomázia Montoro. Foto: Reprodução

“Amei essa escola essa geração colocando o terror na escola cada dia um b.o diferente uma briga entre professores e alunos ou alunos contra alunos amei simplesmente perfeito esse horário integral cada dia me anima a eu estudar aí recebi até uma convocação de brinde sem ter feito nada literalmente eu amei”, debochou Paulo Eduardo R. Ballego.

Relato de Paulo Eduardo R. Ballego. Foto: Reprodução

Agressor treinou com travesseiro

O delegado que investiga o caso, Marcos Vinicius Reis, declarou que o agressor disse que sofreu bullying ao longo de dois anos nas escolas em que estudou e que treinava golpes de faca em um travesseiro. “Falavam que ele era franzino”, afirmou em entrevista coletiva nesta terça-feira (28).

Segundo o delegado, o menino afirmou que ele já tinha a “ideia de fazer algo grave” desde os 11 anos e que chegou a tentar comprar uma arma na internet, mas não conseguiu: “Certamente provocaria uma letalidade muito maior”.

Reis afirmou que ele foi frio no depoimento e não mostrou arrependimento. “Não chorou, não se emocionou. Falou o que ele fez, reportou os atos de maneira cronológica, inclusive. É uma cena muito impactante”, disse.

Uma semana antes do ataque, o jovem brigou e xingou um colega de escola de “macaco” após ser chamado de “rato de esgoto”. A ideia era matar o aluno como forma de vingança, mas ele faltou no dia do ocorrido. O estudante disse ainda que a professora assassinada por ele foi quem apartou a briga na ocasião.

Ele ainda contou que partiu para cima da professora Elisabeth porque ela seria um alvo frágil por causa da idade e porte físico. O aluno de 13 anos disse que sua “vontade era matar pessoas, aproximadamente umas duas, e depois se matar”.

Agressor em sala de aula de escola em SP (esq.) e máscara com desenho de caveira utilizada pelo autor do massacre de Suzano. Foto: Reprodução

Inspirados em Suzano

O adolescente afirmou em depoimento à polícia que planejou o atentado por dois anos, inspirado nos massacres de Suzano, na Grande São Paulo, em 2019, e de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999.

O jovem tinha um perfil fake no Twitter com o nome Taucci, em referência a Guilherme Taucci Monteiro, autor do massacre em Suzano, que deixou oito mortos. Ele anunciou pala rede social que faria o ataque.

Ele também usou uma máscara sobre o nariz e a boca com o desenho de uma caveira durante o assassinato da professora. É a mesma máscara usada tanto pelos atiradores de Suzano quanto pelo adolescente que atacou duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, em novembro do ano passado.

O ato levou outras pessoas a abrirem perfis com o mesmo intuito. “Depois do caso de ontem, incrível! Nunca me senti tão motivado, a um dia planejar, e colocar em prática o meu kkkkk. Mas preciso de armas, não quero ir com facas. Um tiro, uma Kill”, disse outro perfil com o nome Taucci em uma publicação.

“Já tenho o nome de algumas escolas em mente kkkk, só falta escolher definitivamente, qual me fez mais sofrer. Psicologicamente, fisicamente e mentalmente”, diz outra postagem com mais de 16 mil curtidas. “Se preparem… Esse ano de 2023 ainda terá muita história. Guilherme fez a sua, e quero fazer a minha”.

Perfil inspirado em Guilherme Taucci Monteiro, autor do massacre em Suzano. Foto: Reprodução
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