Bye, bye, Dubai! Como o emirado está acordando de um sonho das 1001 noites

Atualizado em 24 de setembro de 2012 às 6:03

Há 30 anos, a maior região de luxo e extravagância do planeta era apenas um deserto. Em 1971, terminado o domínio inglês, Dubai formou com seis vizinhos os Emirados Árabes Unidos. Sem contar com petróleo, o xeque Maktoum Bin Rashid — morto em 2006 e irmão mais velho do atual emir, Mohammed Maktoum –, decidiu construir ali um centro financeiro e de turismo e conseguiu atrair capital e talentos do mundo inteiro. Ao isentar impostos, Dubai foi inundada por tantos estrangeiros que a população local representa hoje não mais que 10% dos residentes. Em uma geração, Dubai saltou do século 18 ao 21.

Todo mundo assistiu esse filme. De repente surgiu uma Xangrilá do Oriente Médio, com edifícios e hotéis de arquitetura arrojada, propriedades exóticas, penínsulas e ilhas artificiais, shopping centers e, na contramão dos princípios ecológicos, campos de golfe e pistas de esqui em conflito com o clima e areias ferventes. Verbas publicitárias ajudaram a cidade instantânea a entrar no radar de celebridades e endinheirados. Parecia o casamento perfeito entre o capitalismo ocidental e a imaginação árabe em forma de empreendimento. Mas o sonho foi interrompido pela crise econômica mundial, e Dubai nunca mais acordou completamente do pesadelo.

O oásis de refinamento e glamour se transformou em miragem. Metade dos projetos de construção parou. Assim, uma linha de aerotrem que corta o arquipélago artificial Palm Jumeirah, com duas únicas estações intermediárias fechadas, e que parece ligar nada com lugar algum. Do lado de fora, no calor escaldante do deserto, há placas que prometem na primeira parada um shopping Pall Mall, e na segunda um empreendimento de Donald Trump, mas ambos pelo jeito nunca saíram do papel. Anunciado com pompa e circustância em 2005, o Trump International Hotel seria uma torre circular com 300 quartos cercada por quatro gigantescas pétalas douradas. Devido à crise, o projeto foi suspenso em 2008 e oficialmente cancelado em 2011.

Não é um fato isolado, mas um exemplo que ilustra a situação precária de várias áreas de Dubai, o que faz com que um cínico observador da área de turismo comente: “Assim como Dubai tomou o espaço do deserto, chegou a vez do deserto ocupar Dubai”. Com a queda dos investimentos e os bancos interrompendo os empréstimos, a economia entraria em parafuso se não fosse o bolso amigo do vizinho Abu Dabi. Com 85% do petróleo produzido e da área nos Emirados, o enforcado foi resgatado da forca no último instante. Claro que o preço político foi alto. Hoje Abu Dabi assumiu a liderança e desponta como a nova estrela da região, devidamente vacinado contra as extravagâncias de Dubai e adaptado ao compromisso com a sustentabilidade que o mundo agora exige.

Tempestade de areia: o deserto quer Dubai de volta

O que deu errado? Fora o reduzido respeito ao meio ambiente – havia projetos de ar condicionado até nas areias das praias turísticas – Dubai criou excessiva dependência do viajante de luxo e dos capitais externos. Nestas circunstâncias, o governo só podia fazer duas coisas. A primeira, como beduíno paciente, aguardou a tempestade de areia passar e pediu ajuda a Abu Dabi. A segunda foi enfrentar a crise com armas modernas como publicidade e relações públicas. Como reflexo dessa decisão, oficialmente Dubai vai muito bem. Com a imprensa local “controlada”, o emirado “recomendou” também a hoteleiros locais fechar o bico e não informar sobre crise, ocupação de quartos, números de turistas, faturamento, no que foi prontamente atendido.

Em paralelo, em 2009 iniciou uma campanha global, na época ao custo de 13,6 milhões de dólares, e, entre outros mimos, presenteou 2 mil profissionais de turismo de 50 países com um tour de três dias a Dubai entre abril e maio deste ano. O convite foi estendido também a mais de 300 jornalistas, entre eles oito brasileiros. Isso explica a enxurrada de matérias altamente positivas que começaram a surgir. Eis uma amostra: “De um lado, o xeque Mohammed al Maktoum preserva a identidade e os direitos básicos dos cidadãos; de outro, investe tudo no turismo e corta impostos”, dizia uma coluna de um jornal paulista. “O que Dubai tem que o Brasil não tem? Essa é fácil. Tem decisão política, infraestrutura, planejamento. E não tem sujeira nem violência”, completava a jornalista.

O emir Mohammed Maktoum (ao centro) avalia um projeto

O relato contrastava com registros da imprensa internacional. Johann Hari, do periódico inglês The Independent, chamava a atenção para “O lado negro de Dubai”, mostrando três cidades. A primeira, aquela que o governo exibe aos jornalistas e relações públicas, é a metrópole glamurosa, embora minoritária, do xeque e seus súditos. A segunda é dos expatriados, que largaram seus países em busca da fortuna e agora fogem às carreiras. A terceira é da subclasse estrangeira de empregados domésticos e da construção, que para que as ruas fiquem livres de pobres, são levados aos milhares a Sonapur, a uma hora da cidade, quando seus expedientes acabam.

Hoje, embora a maioria dos passageiros que desembarcam do Brasil pela Emirates façam apenas escala no aeroporto de Dubai a caminho de outros destinos, não dá para dizer que o Emirado vá fechar as portas. Os vizinhos árabes endinheirados ainda se encantam com as compras nos shopping centers de Dubai, mesmo diante de preços das mercadorias de luxo muito altos, por vezes o dobro do que os brasileiros costumam pagar nos Estados Unidos.

Para sermos justos, Dubai, é um incontestável triunfo da vontade humana. Um lugar ermo que se transformou, como nunca se viu antes, num oásis.Vivia do comércio e virou uma metrópole de crescimento espantoso, uma meca dos negócios e uma atração turística digna das 1001 noites. Foi atropelada pela crise e pelo estímulo a um comportamento de consumo equivocado. Justa ou injustamente, a sua imagem está atrelada a um estilo de vida que deixou de ser glamouroso e por isso anda sumida da ordem do dia do mundo ocidental. Nesse momento, xeques e companhias de relações públicas queimam as pestanas para resolver o desafio de fazer novamente a mágica que o emirado já soube fazer no passado: se reinventar.

Shopping em Dubai: nosso colunista não fez outra coisa