Cabral foi algemado para ser protegido do “extraordinário ódio da turba”, dizem PFs

Atualizado em 14 de maio de 2018 às 16:50
Policiais disseram que Cabral foi algemado como proteção a sua integridade física.

Publicado na ConJur por Sérgio Rodas

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) teve suas mãos e pés algemados ao ser transferido para uma prisão de Curitiba, em janeiro, porque, se ficasse solto, poderia entrar em confronto com uma “multidão ensandecida”, colocando em risco sua integridade física. Isso é o que afirmaram os policiais federais que o agrilhoaram em depoimento ao juiz instrutor Ali Mazloum, auxiliar do Supremo Tribunal Federal, do gabinete do ministro Gilmar Mendes. Mas as fotos da cena analisadas por ele mostram pouquíssimas pessoas no local.

O juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, determinou a transferência de Cabral para a capital paranaense, por supostas regalias que ele teria recebido no cárcere. Quando Cabral foi transferido para Curitiba, tinha os pés e mãos algemados, usando ainda um cinto que prendia seus pulsos, para que sequer levantasse os braços. Advogados e professores consultados pela ConJur consideraram abusiva a atitude da polícia, uma vez que não há registro de episódios de violência por parte do ex-governador.

Em abril, a 2ª Turma do Supremo determinou que Cabral retornasse ao Rio. Os ministros também proibiram o uso de algemas no deslocamento. Além disso, o ministro Gilmar Mendes mandou ainda abrir uma investigação para apurar abuso de autoridade no triplo agrilhoamento do emedebista.

Em relatório enviado a Gilmar Mendes, Ali Mazloum cita que, no dia 18 de janeiro, Sérgio Cabral foi algemado na carceragem da Polícia Federal em Curitiba antes de ser levado ao Instituto Médico-Legal para exame de corpo de delito.

O ex-governador protestou, como relatou ao juiz de instrução. Em resposta, ouviu dos policiais que “delatores recebiam tratamento melhor” e que eles estavam apenas seguindo ordens. Triplamente agrilhoado, ele foi colocado no camburão e levado até o local, onde avistou muitos jornalistas.

Lá, o político foi retirado da viatura e começou a andar, com dificuldade. Nesse momento, reclamou de dores causadas pelas algemas. Um dos policiais, então, recomendou que andasse mais devagar, pois assim não se machucaria.

Versão duvidosa

Os sete policiais federais ouvidos pelo juiz alegaram que a região do IML estava tomada por uma “multidão ensandecida”, parecendo uma “zona de guerra”, um “lugar de alto risco”, “sem controle” das pessoas que ali estavam. Os agentes disseram ter recebido informações de que a “turba” tinha “extraordinário ódio” por Cabral. Dessa forma, havia risco de atentados contra ele.

Por essa razão e pelo fato de a equipe da PF estar desfalcada, os policiais decidiram algemar as mãos e pés do ex-governador. O objetivo era reduzir totalmente a sua mobilidade, para ter total controle sobre seus movimentos e, assim, “protegê-lo de possíveis agressões verbais e físicas de terceiros”.

Ao juiz Ali Mazloum, a agente da PF Ana Clara afirmou que, para ela e para seus colegas, a Súmula Vinculante 11, do STF, “não vale nada”. O verbete diz que as algemas só são permitidas em caso de risco de fuga ou perigo, para si ou terceiros, “justificada a excepcionalidade por escrito”.

Já o agente Paulo Rocha contou que delatores realmente têm um “tratamento diferenciado, melhor” do que os demais acusados da “lava jato”. Rocha repetiu o discurso de que as algemas foram necessárias para proteger Cabral de um ódio que “a sociedade sente” por ele. Mas, segundo suas análises, a sociedade não tem a mesma raiva dos delatores.

O agente Jackson Ribas apontou que as algemas buscavam evitar agressões físicas e verbais. Questionado como elas impediriam as agressões verbais, respondeu que o ex-governador poderia ficar nervoso e “correr para o lado errado”, colocando sua integridade física em risco. Para fundamentar o argumento de que Cabral corria risco, alguns policiais citaram um vídeo em que o traficante Marcinho VP o critica, dizendo que o político “é o maior criminoso do Rio de Janeiro”.

Mazloum também analisou diversas fotos do cenário, onde estaria a “multidão ensandecida”, de acordo com os policiais. As imagens mostram cerca de cinco pessoas acompanhando a transferência do ex-governador.

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Inquérito 4.696