Caetano, passado, presente, queda e redenção com “Hey Jude”. Por Roger Worms

Atualizado em 7 de outubro de 2020 às 7:14
Caetano Veloso em cena do documentário

Caetano Veloso articulou a realização de um projeto antigo.

O poeta desejava desmembrar de seu livro, “Verdade Tropical”, o capitulo intitulado “Narciso em férias“ em que narra seu período de prisão, pré-exílio, dias depois do anúncio do AI5, no final de 1968.

Nunca é demais lembrar que nessa época crianças presenciaram prisões arbitrárias e muitas foram forçadas a ver as torturas de seus pais nos porões dos DOI-CODIs e quartéis do Exército.

Conto com ênfase porque fui uma dessas crianças: meu pai foi preso na porta de nossa casa e posteriormente precisou exilar-se no Uruguai.

Tantos foram calados, artistas perseguidos, políticos perderam a possibilidade de lutar por causas realmente populares. Foi um momento sinistro de clandestinidade e repressão a qualquer forma de expressão diferente a norma ditada pelos militares.

Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e sofreram as agruras do cárcere: do racismo à opressão moral e classista.

Para dar corpo ao lançamento editorial, a produtora executiva do projeto, Paula Lavigne, convidou os diretores Renato Terra e Ricardo Calil para realizarem uma entrevista em que Caetano esmiuçasse a passagem dilacerante da vida brasileira e de sua própria vida.

O compositor acrescentou documentos oriundos de arquivos dos órgãos de repressão, que não tivera contato na época da redação livro, no final do século XX.

A gravação de seus importantes relatos foi feita em fundo cinza, o que retratou bem o que viveu, no final dos anos 60, e o que estava por vir.

O documentário foi feito durante a campanha eleitoral de 2018 que, como sabemos, culminou com a vitória de um homem cujos heróis são os torturadores. Momento triste, páginas duplamente infelizes de nossa história.

Caetano se emocionou ao lembrar das restrições da solitária passagem, dos gritos dos torturados, da aflição dos torturadores ao tentar reviver alguém que sucumbiu, do pedido de um companheiro comunista, que estava em outra solitária no mesmo corredor, pedindo para que cantasse “Súplica” (Déo, José Marcílio e Otávio Gabus Mendes), do repertório de Orlando Silva.

Essa canção ainda lhe causa trauma, na mesma proporção em que “Hey Jude”, canção lançada no Natal de 1968 pelos Beatles lhe redimiu, deu esperança e ânimo para enfrentar os dias ruins.

O desterro e falta de carinho que sentiu o acompanharão por toda vida pois, como comentou, “uma vez preso, sempre preso”.