
A Polícia Civil afirmou que o motorista que bloqueou o Rodoanel por cinco horas, Dener Laurito dos Santos, já integrou a Polícia Militar de São Paulo e foi exonerado em 2006 por “atos desonrosos”. À época, ele era soldado do 22º BPM/M, na zona sul da capital, e a punição foi registrada no Diário Oficial como transgressão disciplinar de natureza grave. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) ainda não detalhou os motivos da expulsão.
Dener confessou ter armado toda a situação alegando que queria chamar atenção para a falta de segurança dos caminhoneiros. Em depoimento obtido pelo UOL, afirmou que “não pensou direito nas consequências” e disse que escolheu o KM 44 do Rodoanel de forma aleatória. Ele declarou estar arrependido e garantiu ter agido sozinho.
Segundo o que relatou às autoridades, Dener passou a noite anterior em um posto na Rodovia dos Bandeirantes, onde montou a falsa bomba usando fio de fone, fita crepe, papel alumínio, água e um tubo de gás de fogão portátil.
Depois, seguiu viagem, acionou a empresa dizendo que o caminhão havia sido roubado e deixou o veículo atravessado na pista. Ele contou que amarrou as próprias mãos e acredita ter desmaiado por “forte estresse emocional”.

A Polícia Civil, porém, não encontrou imagens que sustentassem sua primeira versão, na qual dizia ter sido sequestrado por criminosos que quebraram o para-brisa e o mantiveram amarrado na carreta. Segundo a PM, ele apresentou “falas desconexas” ao relatar o suposto assalto. Dener também negou uso de drogas ou medicamentos que pudessem alterar sua consciência.
O motorista foi indiciado por falsa comunicação de crime, mas não chegou a ser preso. A SSP informou que as investigações continuam “para completo esclarecimento dos fatos e a devida responsabilização criminal do indiciado”. Nem ele nem o advogado que o defendeu na época da exoneração foram localizados para comentar.
O caso provocou grande impacto no tráfego. A carreta bloqueou o KM 44 do Rodoanel, em Itapecerica da Serra, e o congestionamento ultrapassou 20 quilômetros. A pista foi fechada nos dois sentidos por uma hora para atuação do Gate. Dener desmaiou ao ser retirado da cabine às 9h21 e recebeu atendimento médico. Às 10h, a suposta bomba foi removida, e a polícia confirmou que o artefato era falso.
No registro inicial, o caminhoneiro afirmou que os sequestradores pretendiam usar o veículo para transportar armas ao Rio. Disse também que a transportadora pediu atualizações da rota e que, ao ser forçado a falar com a empresa, reagiu, levando os criminosos a fugir. A carreta, no entanto, estava vazia e seguia para uma base operacional em São Bernardo do Campo.

O episódio ocorreu na madrugada do dia 12, justamente quando a Câmara dos Deputados se preparava para votar o PL Antifacção, relatado por Guilherme Derrite (PP-SP), deputado bolsonarista e ex-secretário de Segurança Pública. O caso caiu como combustível perfeito para um clima político já inflamado, e imediatamente passou a ser explorado por aliados da extrema-direita como prova de que o país estaria “sob ameaça” e de que o Congresso deveria votar o texto com urgência máxima.
Naquele momento, antes dos recuos impostos pelo governo e pela equipe técnica da Câmara, o projeto de Derrite incluía um ponto considerado extremamente sensível: a equiparação entre facções criminosas e grupos terroristas. Críticos alertavam que essa mudança abria brechas perigosas, inclusive afetando a soberania nacional e permitindo interpretações amplas demais sobre o que poderia ser classificado como “terrorismo”. Mesmo assim, setores bolsonaristas tentavam usar o episódio do caminhoneiro para reforçar a narrativa de que o país estaria diante de um cenário “quase terrorista”, pressionando pela aprovação do trecho.
O projeto, originalmente formulado pelo governo Lula, mas profundamente alterado pelo relator — acabou aprovado na última terça (18), porém sem a equiparação com terrorismo. A retirada ocorreu apesar da pressão de figuras como Ronaldo Caiado (União-GO) e Cláudio Castro (PL-RJ), dois governadores alinhados ao discurso de endurecimento policial que viram no caos no Rodoanel uma oportunidade para empurrar o dispositivo adiante.
Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, decidiu barrar o trecho. Ele argumentou que “o combate ao terrorismo, disciplinado em legislação própria e dotado de regime jurídico específico, não se insere no escopo material da proposição e não decorre de sua finalidade normativa”. Também afirmou que o foco do projeto deveria permanecer restrito ao “combate às organizações criminosas no país”, não à criação de atalhos legais que misturassem conceitos distintos. A leitura no Congresso foi clara: a tentativa de usar o caso do caminhoneiro para justificar mudanças na Lei Antiterrorismo não resistiu ao escrutínio jurídico.