“Campanha para libertar Galo mostra à Justiça que não estamos sozinhos”, diz mulher do ativista

Atualizado em 1 de agosto de 2021 às 20:18

Publicado originalmente na Ponte Jornalismo

Por Beatriz Drague Ramos

Géssica sendo liberada da prisão temporária na 89º DP na última sexta-feira (30) | Foto: Paulo Galo

Géssica de Paula Silva, 29 anos, ativista, costureira e companheira do ativista Paulo Galo, dos Entregadores Antifascistas, ficou presa temporariamente por dois dias no 89º Distrito Policial, na Vila Andrade, zona sul de São Paulo. A prisão ocorreu na última quarta-feira (28/7) quando ela e Galo se apresentaram voluntariamente no 11º DP (Santo Amaro) após investigações da Polícia Civil sobre o incêndio à base da estátua do bandeirante Borba Gato, em Santo Amaro, zona sul da capital paulista, ocorrido no sábado (24/7) chegarem ao nome de Galo.

A prisão de ambos aconteceu a partir de um pedido apresentado pela Polícia Civil, que alega “associação criminosa”, definido no artigo 288 do Código Penal como “associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”, com pena prevista de um a três anos de prisão e multa. Géssica, no entanto, não participou da intervenção na estátua. A ativista foi solta após a juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) revogar a prisão temporária nesta sexta-feira (30/7).

Ainda que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha determinado que mães com filhos de até 12 anos que tenham prisão cautelar decretada cumpram a detenção domiciliar, por conta de um habeas corpus coletivo de fevereiro de 2018, Géssica viveu momentos de tensão. Ela tem com Paulo Galo uma filha de três anos que vive com o casal e temeu o desamparo da criança, pois não sabia ao certo quando sairia da prisão.

Desde então, a ativista vive a angústia de que seu companheiro preso possa permanecer detido. Galo disse em depoimento que com a ação pretendia abrir um debate acerca do símbolo do bandeirante paulista Manuel de Borba Gato, que representa a morte e a escravização de negros e indígenas entre os séculos 16 e 17, ainda enaltecido no estado de São Paulo, como mostram estudos como o do livro Vida e Morte do Bandeirante (1929), de Alcântara Machado, que também narra estupros e tráfico de mulheres indígenas realizados pelos bandeirantes.

As reações críticas à prisão temporária como a de Géssica e Paulo Galo levantaram debate nas redes sociais, onde segue uma campanha pela liberdade de Paulo Galo. A prisão temporária dos ativistas é considerada uma forma de tortura, conforme apontado pela pesquisadora Aline Passos à Ponte. A falta de fundamentação na medida e a criminalização de uma ação política como uma suposta organização criminosa também foi criticada por Jacob Filho, advogado do casal.

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) considerou a ação na estátua “uma resposta da sociedade a uma indignação coletiva”. À Ponteela avaliou que a população não admite mais símbolos de figuras genocidas da história do país que são compulsoriamente “enaltecidos, glorificados sem que haja uma crítica”.

A repercussão do caso provocou ataques reacionários: o monumento ao ativista Carlos Marighella, nos Jardins, na Zona Sul de SP foi coberto com tinta vermelha, o mesmo ocorreu com um grafite da vereadora Marielle Franco (PSOL) num escadão em Pinheiros, na zona Oeste de São Paulo. No caso de Marielle, além da tinta vermelha, foi também pichada a frase “Viva Borba Gato”. Até o momento não se tem notícia da autoria dos ataques.

Diferentemente da depredação dos defensores dos direitos humanos, a ação no Borba Gato foi realizada e assumida pelo grupo Revolução Periférica, o qual Galo participaria. Os membros compartilharam imagens do ato simbólico em redes sociais e colaram lambe-lambes em postes da capital com a pergunta “Você sabe quem foi Borba Gato?”.

Em entrevista à Ponte, Géssica classifica as prisões temporárias como uma forma de opressão, e diz que a depredação das imagens de Marielle e Marighella só “nos mostra que há muitos fascistas em nosso país, estejam eles nas sombras ou no Planalto e eles têm se revelado cada vez mais”. Por isso, a ativista diz que seguirá lutando por um mundo que seja bom para quem está nas favelas e periferias.

Ponte – Você acredita que algo está por trás da sua prisão e a de Galo?

Géssica de Paula Silva – Acredito que tenha todo um aparato por trás das nossas prisões, além da questão do preconceito imposto pela elite, existem os interesses políticos também. Vejo isso mais como uma forma de opressão para silenciar todas as pautas que o Galo vem propondo ao longo da luta dele. E a minha prisão só realça isso, é uma forma de mostrar força e opressão em cima da luta dele.

Ponte – Como você se sentiu quando soube que seria presa temporariamente? Em que você pensou naquele momento?

Géssica de Paula Silva – No primeiro momento fiquei muito surpresa, pensava: “O que eu fiz? Qual foi o crime que cometi?”. Mas depois foi caindo a ficha, ali era mais uma vez o sistema mostrando toda sua opressão. E meu pensamento era focado na minha filha e em passar total segurança para o Paulo, para que ele entendesse que eu estava bem e que iria dar tudo certo. No momento da ação na estátua eu estava na minha casa com a minha filha e meu irmão mais novo.

Ponte – Diante de tudo o que está ocorrendo, como você vê o sistema de justiça no Brasil?

Géssica de Paula Silva – Eu sempre tive uma visão do sistema judiciário como fraco e que pune só os desfavorecidos, pretos e pobres. E com isso tudo que vivi e estou vivendo, tenho a plena certeza de que é fraco e falho além do extremo quando querem silenciar as ideias da periferia.

Ponte – Vocês temem sofrer alguma outra represália jurídica ou mesmo ameaças por conta da luta por direitos humanos no país? Pretendem seguir lutando?

Géssica de Paula Silva – A realidade é que já nascemos sendo ameaçados. Só por ser pobre, periférico e, além de tudo, pretos, fomos jogados às margens das sociedades. Acabaram as senzalas e jogaram nossos antepassados nas ruas, que viraram cortiços, vielas e favelas atuais. Então, já nascemos marcados e isso é uma ameaça constante.

E, claro, temo sim em sofrer mais uma represália jurídica, tenho uma filha que depende de mim. Preciso estar ao lado dela. Em relação à luta, ela nasce dentro de nós, só temos que despertá-la, seguindo, resistindo e lutando por um mundo que seja bom não apenas para a elite branca dos bairros nobres, mas também para nós que estamos nas favelas e periferias.

Ponte – Como você vê as campanhas e o apoio pela libertação de vocês na internet? Qual a importância delas continuarem?

Géssica de Paula Silva – Como venho ressaltando, o povo unido faz coisas grandiosas e a união é a força de todo coletivo. Eu realmente me senti extasiada quando vi toda a mobilização – e ainda me sinto. Nesse momento ela é muito importante para que o sistema judicial veja que não estamos sozinhos, que o Paulo não está sozinho e que grande parte da sociedade não concorda com as nossas prisões.

Ponte – Qual a sua visão sobre os ataques aos monumentos a Marighella e Marielle depredados em São Paulo com a frase: ‘Viva Borba Gato’. O que isso demonstra sobre essa parcela da sociedade?

Géssica de Paula Silva – Primeiro de tudo, devemos começar com a seguinte pergunta: quem foi Marielle Franco? E Marighella? Porque a sociedade precisa conhecer quem marcou a história, que marcou de forma grandiosa. Até porque, ambos, Marielle e Marighella, de alguma forma tiveram suas imagens distorcidas por aqueles que nunca permitiram que a real história brasileira chegasse de forma clara e objetiva ao seu povo. Os vilões de cada época eram exaltados como grandes marcos brasileiros, enquanto os verdadeiros heróis eram colocados como bandidos.