Candidato do PSOL ameaçado de expulsão por doação de Armínio Fraga fala em “divergência tática”

Atualizado em 3 de outubro de 2020 às 12:02

Originalmente publicado no TWITTER

Por Wesley Teixeira

Eu sou Wesley Teixeira 50050 candidato a vereador no município de Duque de Caxias, e como dizia Lélia Gonzáles: “negro tem que ter nome e sobrenome, se não os brancos arranjam um apelido… ao gosto deles”. Sou morador do Morro do Sapo, evangélico e tenho 24 anos, filho do pastor Jairo e da pastora Katia. Hoje estou candidato a vereador, mas nossos passos vêm de longe: fiz parte do movimento estudantil secundarista há 12 anos, fomos um dos organizadores das manifestações de Junho de 2013 contra o aumento da passagem em Duque de Caxias, participei da construção de um pré-vestibular popular, enfrentamos Eduardo Cunha contra a redução da idade penal, fundei um movimento territorial de lideranças, coletivo midiativista independente, e também faço parte do Movimento Negro Unificado e da Coalizão Negra por Direitos.

Desde sexta-feira, dia 28, um grande debate se colocou pra mim com a publicação pela revista Veja da doação feita pelo ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, para a minha campanha. Como todo mundo, também tomei um susto quando soube que um dos principais nomes do mercado financeiro brasileiro, queria doar para a minha campanha. Muitos companheiros e companheiras de anos de luta vieram cobrar de mim um posicionamento: “vai receber dinheiro de banqueiro, Wesley?” – e com toda a razão. Ao longo dos últimos dias tenho conversado com todos aqueles que fazem parte da construção coletiva não só da minha campanha, que se iniciou há poucos dias, mas de toda a minha trajetória militante.

Importantes articuladores políticos, como Sueli Carneiro, filósofa e liderança do movimento negro e Pedro Abramovay, advogado militante dos Direitos Humanos nos procuraram com uma preocupação de segurança de um candidato com condições reais de vitória após anos sem um candidato de esquerda na câmara dos vereadores, em uma cidade como Duque de Caxias, tomada pelo coronelismo, com figuras históricas como Tenório Cavalcanti que andava com um metralhadora apelidada de “Lurdinha” por baixo de uma capa preta.

Nesse sentido organizaram uma reunião de apoio em que estavam setores da elite. Nela apresentei toda minha trajetória e programa, incluindo o anticapitalismo, por entender que esse é um sistema no qual eu quero o fim, acredito que outro mundo é possível, onde não tenha gente sem casa, onde não tenha fome, sem uma relação predatória ao meio ambiente. Na última semana recebemos doações de Armínio Fraga, João Moreira Salles, Walter Salles, Bia Bracher e para entender esta doação é preciso lembrar que vivemos um período iniciado em 2016 com um “acordo com o Supremo e com tudo” cruel de ameaça a direitos básicos e aumento da violência contra os mais pobres. Seguido da morte da minha companheira de partido Marielle Franco em 2018 e da eleição de Bolsonaro, um governo que ativamente ataca opositores e a imprensa, defende a ditadura e assiste passivamente a pandemia do novo coronavírus vitimar milhares de brasileiros. Por isso, neste período tão ameaçador que vivemos, algumas pessoas que contribuíram para a retirada de direitos e para a ascensão do governo de morte que temos hoje passam a temê-lo. Existe também a discussão sobre financiamento de campanha, que todos os partidos investem de forma desigual entre candidaturas negras e brancas. Reflexo do sistema racista feito para impedir negros e negras de acessarem espaços de poder.

Existe também a discussão sobre financiamento de campanha, que todos os partidos investem de forma desigual entre candidaturas negras e brancas. Reflexo do sistema racista feito para impedir negros e negras de acessarem espaços de poder. É por isso que este dinheiro será usado em uma campanha de afirmação da vida, de ocupação preta pra chegar na Câmara Municipal de Duque de Caxias e combater a política de morte das mesmas famílias que governam esta cidade, para eleger um mandato comprometido com os movimentos sociais, com controle e participação popular, para pensar uma cidade para se viver e não para o lucro. Discutindo políticas públicas com quem sente na pele os problemas e pode trazer soluções, com isso daqui a quatro anos teremos outras e outros em um processo de renovação política.

Fiz parte da Insurgência, organização interna do partido durante os últimos seis anos, que decidiu que temos que devolver o dinheiro. Nós temos uma divergência tática e por isso comunico a minha saída da organização, mas continuaremos juntos na construção da campanha, pois ainda possuímos muitos acordos programáticos em relação à política para o Brasil. O PSOL, partido que reivindico e que tem sido importante na luta contra fascismo e contra extrema direita nesse período, ainda não declarou formalmente a retirada da nossa candidatura. Porém uma parte do partido pode apresentar recursos e declarou ter essa intenção. Mesmo assim vamos continuar a nossa candidatura. Agradeço a todas e todos que prestaram solidariedade, saindo em nossa defesa e combatendo o linchamento. Avisamos: não desistiremos porque Martin Luther King e Mandela não desistiram da luta contra o racismo e pela democracia, Chico Mendes não desistiu da luta ambiental, Solano Trindade poeta negro não desistiu mesmo preso e nem mesmo Armanda Alvaro Alberto desistiu de construir a primeira escola da América Latina a servir merenda, em Duque de Caxias. Esse é nosso lado na história, um novo dia vai raiar.

Duque de Caxias, 01/10/2020.