“Capital do agro”, Ribeirão Preto pega fogo por causa de queimadas dos produtores de cana

Atualizado em 25 de agosto de 2024 às 12:52
Ribeirão Preto é tomada pelo fogo surgido nos canaviais

A região de Ribeirão Preto, SP, é referência mundial no setor sucroalcooleiro, e a cidade é reconhecida uma das “capitais nacionais” do agronegócio, sendo a sede da maior feira do setor da América Latina, a Agrishow. Filhos de fazendeiros passeiam de picape enfiados em calças apertadas, com meias na cueca, cintos de fivela de prata, ouvindo sertanejo e enchendo a cara até matar alguém e o caso ser abafado pela polícia.

O declínio do café permitiu deu lugar ao estabelecimento da cultura da cana-de-açúcar. A “terra vermelha” de Ribeirão, que era orgulho dos locais até os anos 30 e 40, deu lugar a um monótono e explosivo “mar de cana”, com queimadas frequentes.

Moradores viveram momentos de tensão neste fim de semana com os incêndios florestais que se espalham na área. O prefeito Duarte Nogueira (PSDB) classificou a situação como “fora do comum”, algo semelhante a um meteoro caído misteriosamente do céu.

“Foi a maior quantidade de incêndio em 20 anos de série histórica”, disse Nogueira em entrevista ao Estadão. “A gente já vinha enfrentando situações de recrudescimento de seca nos anos anteriores e, há dois anos, implantamos um plano de contingência. Isso ajudou a mitigar problemas”.

Ribeirão teve 14 focos de incêndio, alguns bem próximos de residências como as localizadas no condomínio de luxo Alphaville, no distrito Bonfim Paulista. Mansões foram evacuadas. Moradores foram afetados por falta de água e energia elétrica. Dos 120 poços artesianos que abastecem a cidade, 36 foram desligados na sexta-feira por conta da tensão elétrica da distribuidora. Ventos chegaram a mais de 70 quilômetros por hora.

A rede municipal de saúde está sobrecarregada. De acordo com a prefeitura, o serviço está com sobrecarga de 60% da demanda de pronto-atendimento a pacientes com problemas respiratórios e de desidratação.

“Mais que demanda de médicos, a gente tem demanda de procedimentos como inalação, oferta de soro fisiológico, medicamentos de reposição de resultados de desidratação”, diz o prefeito.

Sobre a origem dos incêndios, Duarte vem com uma cascata: “bitucas de cigarro jogadas em rodovias” e “aumento da intensidade de luz solar que, ao passarem de forma translúcida por vidros, acabam dando origem às chamas”.

É muita vontade de tratar a população como otária. Duarte sabe que a culpa é do agro. Simples assim.

O incêndio originado uma área canavieira reacende o debate sobre a necessidade urgente de repensar as práticas de uso e ocupação da terra, buscando alternativas ao modelo dos latifúndios e da produção voltada para commodities.

O agronegócio, caracterizado pela concentração de terras, uso massivo de agrotóxicos, exploração laboral e de recursos naturais, tem sido um vetor de degradação ambiental. De acordo com a ONG MapBiomas, apenas 28,4% da vegetação nativa de São Paulo sobrevive, enquanto a área destinada à cana-de-açúcar expandiu-se para 5,5 milhões de hectares, conforme dados do IBGE de 2022.

Esse setor se beneficia de políticas públicas que deveriam, ao contrário, fomentar a agricultura familiar e a produção de alimentos saudáveis, essenciais para a soberania e segurança alimentar.

As queimadas, como as ocorridas nesses dias, são um reflexo direto da postura predatória do agronegócio. Enquanto essa hegemonia se mantiver, essas tragédias continuarão a se manifestar.

A superação desse modelo passa por um projeto popular de reforma agrária, que transforme latifúndios improdutivos em áreas produtivas sob a ótica da agroecologia ou de algum outro modelo sustentável.

Este processo envolve não apenas a reforma agrária, mas também a demarcação de territórios indígenas e a implementação de leis que restrinjam o uso de agrotóxicos. O preço ficou alto demais para todos aguentarmos esses laranjas da destruição do planeta.