Capitalismo ou socialismo: Qual caminho trilhar em face da realidade? Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 8 de julho de 2020 às 8:36

PUBLICADO NO EMPÓRIO DO DIREITO

POR AFRÂNIO SILVA JARDIM

Como uma espécie de animal, o ser humano é individualista. Vale dizer, o individualismo lhe é inerente. O Indivíduo privilegia os seus interesses e o outro funciona apenas como um coadjuvante na sua vida de relação.

Este aspecto do ser humano encontra campo fértil no sistema capitalista, que aposta na cobiça individual e na competição.

Entretanto, como o único animal racional, o ser humano é capaz de criar uma rígida escala de valores. O ser humano tem condições também de privilegiar o coletivo, privilegiar o que seja o bem comum.

Este aspecto axiológico pode fazer com que o indivíduo sacrifique os seus interesses em prol “do outro”, em prol de um melhor convívio social.

Um dos aspectos que distingue a espécie humana é que ela é capaz de fazer juízo de valor sobre as suas condutas e os acontecimentos que ocorrem na natureza. Em razão disso, o ser humano cria o Direito para regular o convício social.

O socialismo permite a concretização de valores mais generosos, pois privilegia os interesses comuns em detrimento do individual. Nesta perspectiva, ele não é natural. O ser humano é egoísta e individualista e uma eventual cultura solidária vai mitigando o seu lado selvagem.

Tenho dito que a aceitação dos valores fundantes do socialismo me tornou uma pessoa menos ruim. O senso de justiça social me tornou uma pessoa menos ruim, mais humana e sensível.

Por isso, opto pelo socialismo democrático, que deve privilegiar os interesses da coletividade sem anular o que é natural ao indivíduo. Como disse, no passado, o grande pensador português Boaventura de Souza Santos:

“Tenho direito à igualdade quando a desigualdade me inferioriza;

Tenho direito à desigualdade, quando a igualdade me descaracteriza”.

Destarte, o problema maior é justamente compatibilizar os interesses individuais com os interesses coletivos.

A história tem demonstrado que as classes dominantes jamais abriram mão pacificamente de seus privilégios, de seus próprios interesses, ficando sempre postergados os legítimos interesses da sociedade, vale dizer, daqueles que, com o seu trabalho, produzem a riqueza social.

Tendo em vista que o individualismo daqueles que se beneficiam do poder econômico tem impedido que se evolua para uma sociedade justa e solidária, o pensamento de esquerda sempre teve presente um grande dilema: reformas ou revolução ???

Como humanista, ainda acho que devamos apostar nas vias institucionais, nos instrumentos legais da democracia burguesa, para atingirmos um verdadeiro socialismo, que deve procurar se compatibilizar como os legítimos anseios de liberdade do indivíduo.

Não devemos sacrificar preciosas vidas humanas em lutas desiguais, onde a correlação de forças nos é absolutamente desfavorável.

Precisamos convencer as massas de que há um outro modelo de sociedade mais justo, tornando-as o real sujeito histórico desta transformação.

Sem conscientização política e social da população, o “vanguardismo” estará isolado e atingirá um viés autoritário.

Precisamos disseminar uma educação de qualidade e despertar a consciência crítica na pessoas. Precisamos democratizar os meios de comunicação.

As pessoas devem ser consciência de que a sociedade é dividida em classes sociais, as quais têm interesses antagônicos. Elas precisam compreender os motivos pelo que as “coisas” ocorrem desta ou daquela maneira.

Os mesmos problemas criados pela classe empresarial e pelo grande capital interacional ao presidente Nicolás Maduro impediram que o presidente Salvador Allende (Chile) pudesse lograr uma nova forma de organização social, com outra base material, mais justa e fraterna. De certa forma, isto também ocorreu aqui no Brasil, com o nosso presidente João Goulart, deposto por um violento golpe militar.

Por tudo isso, torço pelo caminho que está sendo percorrido pela atual Venezuela, que sempre será traumático e penoso.

Se vingar o projeto venezuelano, ficará claro que é possível uma forma social superior, lastreada na solidariedade e na generosidade entre as pessoas e não na cobiça, na ganância, no egoísmo e na competição, motores do capitalismo. Tudo isso sem sacrificar valiosas e irreparáveis vidas.

Nesta perspectiva, independente das naturais discordâncias teóricas do pensamento de esquerda, acho que devamos apoiar esta nova experiência que se concretiza na Venezuela, embora façamos sérias restrições teóricas e práticas ao chamado “Socialismo do Século XXI”, proposto por Heinz Dieterich.

Não vamos desistir das nossas “utopias”. Elas é que nos move para frente; elas é que nos tornam indignados com a nossa triste realidade, afastando-nos da sedução do confortável conformismo.

Justiça é o que importa. Justiça social é o que importa.