Carlos Lamarca: morte do guerrilheiro pela ditadura militar completa 50 anos

Atualizado em 17 de setembro de 2021 às 14:25

Publicado no Tutaméia

Cartaz de procurados da época destaca foto de Lamarca. Foto: REPRODUÇÃO

POR ELEONORA DE LUCENA E RODOLFO LUCENA

“Quando Lamarca volta de Suez, vai para o Rio Grande do Sul, volta a São Paulo, me procura. Nós começamos a conversar, e ele me falou: ‘Nós temos de sair do Exército para combater os traidores de fora para dentro’. Quem eram os traidores? O movimento que rasgou a Constituição de 1946 e tomou o poder no dia primeiro de abril de 1964. Até a data é o dia da mentira.”

A lembrança é trazida pelo sargento Darcy Rodrigues, conhecido como lugar-tenente do capitão Carlos Lamarca. Em entrevista ao TUTAMÉIA dois dias antes do aniversário de 50 anos do assassinato do comandante guerrilheiro, ocorrido na Bahia em 17 de setembro de 1971, Rodrigues fala sobre a personalidade e a trajetória de seu companheiro de luta.

Volta ao dia em que Lamarca saiu do quartel de Quitaúna para organizar a resistência armada à ditadura militar:

“Lamarca já tinha colocado sua posição para o comando da organização, e aí começamos a organizar sua saída levando o máximo de material possível. Mas há um incidente, o sítio de Itapecerica é invadido, os companheiros são presos. Aí fizemos uma reunião com o comando da VPR, a decisão é que temos de abandonar o Exército imediatamente e cai na clandestinidade. Lamarca diz: ‘Eu não vou sair assim. Eu vou voltar e vou fazer o que for possível’. Ele volta sozinho com uma kombi, lota a kombi com 32 fuzis FAL, um morteiro de 60 mm, uma metralhadora pesada, algumas metralhadoras de mão e alguns cunhetes de munição. Aí ele sai, vai para um lado, eu vou para o outro.”

Os dois, o sargento e o capitão, ainda iriam se reencontrar horas mais tarde:

“A saída se dá no dia 24 de janeiro, o dia em que nossas esposas e nossos filhos estavam embarcando para o exterior. Eu falo para o companheiro que estava comigo: ‘Olha, eu vou ao aeroporto me despedir da minha família’. Ele diz que precisa falar com a organização, liga, fala com o comando, que recomenda o máximo de cautela. Eu vou para o aeroporto. Chegando lá, quem vejo? O comandante Lamarca, que já estava lá também, para se despedir da família. A partir daí, entramos na clandestinidade.”

Darcy Rodrigues fala sobre a primeira vez em que viu Lamarca e as leituras do comandante, lembra ações realizadas na cidade –em uma delas, Lamarca teve de atirar para salvar a vida do camarada–, relembra o treinamento o treinamento no Vale do Ribeira, conta sobre sua prisão e a resistência a tortura. As cartas trocadas com Lamarca, o encontro com Fidel e a vida em Cuba também são revividos na nossa conversa (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Acima de tudo, o sargento Darcy trata de colocar os fatos históricos no devido lugar –missão que assumiu para sua vida e que cumpriu mesmo nos embates com representantes da ditadura, como ele conta:

“Eu me lembro ao coronel Erasmo Dias: ‘Tiradentes precisou de duzentos anos para ser reconhecido como herói; espero que o comandante Lamarca necessite de menos tempo’. O comandante Lamarca teve tanta dignidade que saiu do Exército para combater o Exército. Nós, o Lamarca e todos os companheiros do Exército que apoiamos o governo João Goulart, nós éramos fiéis ao nosso juramento à bandeira.”

Rodrigues prossegue: “No dia 19 de novembro de 1960, eu estava completando 19 anos e jurei defender os poderes constituídos, a ordem e a lei. Lamarca já estava saindo da Academia, já tinha feito o juramento de oficial e, quando nós nos encontramos, nós imediatamente identificamos que havia uma traição por parte dos golpistas dentro do Exército. Nós não pactuamos dessa atitude e nós saímos do Exército para combater os traidores da Pátria, que usurparam o poder rasgando a Constituição, no dia primeiro de abril de 1964”.

Ataque à lei que, três anos antes, havia fracassado: “Já tinham tentado cometer essa traição no dia 24 de agosto de 1961. Naquele momento, eu estava dentro da escola, e o Lamarca já estava no Quarto Regimento, em Quitaúna. Lamarca foi para o Rio Grande do Sul, esperava um contato com o Terceiro Exército e, com certeza, se bandearia para o lado da legalidade, para defender o presidente, cumprindo o seu juramento à bandeira”.

O Sargento Darcy reafirma: “Isso tem de ficar muito claro. Se existiram traidores, foram os que conspiraram contra a democracia e contra um presidente eleito e empossado no cargo maior da Nação. Eu digo isso porque nós temos de desmistificar essa campanha contra Lamarca. Assim como hoje há um genocídio contra o povo Brasileiro, houve um genocídio contra quem cumpriu a Constituição em 1964”.

E conclui: “É muito difícil falar de Lamarca. O Lamarca não cabe dentro dos livros, o Lamarca não cabe dentro de um programa, o Lamarca não cabe dentro de uma entrevista. A sua estatura é gigantesca, e ele algum dia será merecidamente reconhecido como herói nacional. Disso eu não tenho a menor dúvida”.

HOMENAGEM MUSICAL

Ao final da entrevista, apresentamos uma homenagem a Lamarca feita pelo cantor, violonista e compositor Mauro Amorim, que gravou um vídeo especialmente para o TUTAMÉIA – fica aqui nosso agradecimento pela gentileza.

Paulista de Osasco, Amorim gravou em 2016 o CD “Dia de Jogo”, em que está a faixa com a composição dedicada ao capitão da guerrilha. A letra é a seguinte:

LAMARCA

(Mauro Amorim)

Meu capitão saiu de Quitaúna

Para lutar na vanguarda popular.

Levou consigo muita bala e coragem

De um guerrilheiro pra morrer ou pra matar.

Foi combater a vergonha brasileira

Intitulada ditadura militar.

O menino da guerrilha

Foi pra mata lecionar

Sua mira é sua marca

Mil soldados não conseguem lhe pegar

O menino da guerrilha

Foi pra mata lecionar

Sua mira é sua marca

Mais de mil soldados não vão lhe derrubar

Salve o guerreiro

Salve o capitão Lamarca

Índio da flecha certeira

Com Oxóssi entrou na mata