Cármen Lúcia critica investigação de particulares e vota para suspender “dossiê antifascista”

Atualizado em 19 de agosto de 2020 às 20:12

Publicado na ConJur

Cármen Lúcia. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Não é competência de órgão estatal ou de particulares produzir dossiê “contra quem quer que seja, nem instaurar procedimento inquisitorial”. Segundo a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, o Estado “não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais, que é sua função de garantir e proteger”.

O entendimento foi proferido nesta nesta quarta-feira (19/8), ao votar para suspender ato do Ministério da Justiça que gere relatórios ou compartilhamento de informações pessoais de cidadão identificado como pertencente a “movimento antifascista”.

A análise da ação do partido Rede Sustentabilidade, que questiona a investigação sigilosa tocada pelo Ministério de Justiça continuará nesta quinta. No caso, o Supremo se debruça sobre um documento sigiloso que foi produzido pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), da pasta em questão, contra 579 servidores federais e estaduais, além de professores.

Única a votar nesta quarta, a ministra afirmou que, embora o governo tenha se manifestado diversas vezes na ação, não foi apresentada uma resposta objetiva sobre o caso, de forma que a pergunta, segundo ela, é simples: “existe ou não existe dossiê?”.

Para ela, caso exista um dossiê fora dos limites constitucionais, é caracterizada lesão a preceitos fundamentais, mas foi categórica ao dizer que, caso não exista, “basta dizer que não existe”.

No entanto, Cármen Lúcia disse que o esclarecimento prestado pelo chefe da pasta da Justiça, André Mendonça, embora sincero, não nega a existência de tal relatório. “Não é conjectura, não é ilação, e não é interpretação (…) Mas se não houve desbordamento, fica pelo menos estranho ter sido afastado alguém e ter sido instaurada sindicância”, considerou.

Apontando as contradições nas versões apresentadas na ação, a ministra rechaçou a argumentação do Ministério da Justiça de que, em caso de dano a  algum cidadão quanto aos seus direitos fundamentais, ele “poderá se sujeitar a exame judicial posteriormente”. Direitos fundamentais, frisou a relatora, “não podem ser objeto de ameaça ou lesão nos termos expressamente estampados na Constituição”.

Ela apontou que, se as alegações forem verdadeiras, os cidadãos estão em situação de completo desconhecimento sobre o que tem tramitado como inteligência, investigação ou pedido de informações sigilosas, que podem tratar “da vida particular, escolhas ideológicas e pessoais de quem quer que seja”.

“E isso sem finalidade específica não é admissível para o Estado. Ninguém duvida de que o cidadão tem pleno e intocável direito, inexpugnável, de contrapor-se a eventual ação secreta do Estado que diga respeito à sua vida particular ou à sua conduta política”, criticou a relatora.

Ainda no início do voto, a ministra esclareceu que, diferentemente do que noticiado por alguns veículos, ela não decretou o sigilo de qualquer documento. Segundo a ministra, o próprio ministro da Justiça informou que não sabia do dossiê até começarem a circular as notícias.

Inteligência republicana

Mais cedo, o procurador-Geral da República e o advogado-Geral da União saíram em defesa do dossiê. O PGR, Augusto Aras, afirmou que a atividade de inteligência não pode ser confundida com a investigativa e disse que “parece ter havido alarme falso, talvez um exagero” sobre o relatório.

Por sua vez, o AGU, José Levi do Amaral, defendeu que o sigilo é essencial para as atividades de inteligência, além de ser uma forma de proteger os investigados. Ambos disseram que as respectivas instituições rejeitam o autoritarismo e não admitem que o governo espione seus opositores.