Carta aberta à deputada Marina, do MST. Por Chico Teixeira

Atualizado em 1 de setembro de 2025 às 18:08
A deputada estadual Marina do MST (PT-RJ). Foto: Reprodução

À deputada Marina e a todxs os amigos do MST.

Dirijo-me a vocês hoje com alegria e apreensão em relação ao Ato de Defesa da Soberania Nacional. Trata-se claramente de um ato necessário e urgente em defesa da Nação. Gostaria de ressaltar, no entanto, um ponto: o risco de os movimentos sociais, populares e democráticos se tornarem massa para a defesa do indefensável. Refiro-me à “indignação” perante as sanções contra o agronegócio brasileiro.

A imposição de tarifas inviáveis sobre café, sucos, frutas e commodities agrícolas em geral, por parte da administração Trump, pegou todo o segmento de surpresa, causando forte perplexidade. Estupor derivado do fato de que o agronegócio no Brasil — ao lado da mineração e dos setores de serviços das big techs — é claramente uma das conexões internas, o esteio, do imperialismo, em especial o norte-americano, na sua ação contínua e permanente contra o povo trabalhador do campo, ribeirinhos e povos indígenas.

Não há dúvida de que a administração Trump é odiosa, expressão em nosso tempo do velho imperialismo. Contudo, não podemos perder de vista que o agronegócio e a monocultura — hoje altamente tecnificada, com as expulsões de trabalhadores do campo — constituem, no Brasil, a maior base do fascismo e mantêm estreitos laços de dependência com o imperialismo.

Manteve-se como setor reacionário contra o fim do trabalho escravizado no Brasil antes de 1888 e, depois, como gerador de inúmeras formas de subsunção do trabalho e da terra aos interesses do capital, além de massacres brutais, de Canudos até Eldorado dos Carajás.

A maior parte do agronegócio está diretamente vinculada a empresas processadoras de alimentos americanas, inglesas, francesas e espanholas. A maioria gera pouquíssimos empregos no Brasil, transformando imensos territórios agrícolas hipermecanizados em desertos de trabalhadores, inviabilizando a produção de alimentos e atuando na produção dos “ciclos de fome” no país.

Durante os anos de fome no Brasil, estiveram na primeira fila dos detratores de programas como “Fome Zero”, “Bolsa Família” e “Mais Médicos”. Confiaram, e ainda confiam, cegamente em seus “laços” com a indústria e bancos estrangeiros para conseguir “exceções” — e não o enfrentamento — ao tarifaço de Trump.

Muitas dessas empresas, como no caso do café, converteram companhias alemãs e polonesas nos maiores “produtores” mundiais de café, sem sequer um pé de café em suas vitrines, reforçando o primarismo das exportações brasileiras de commodities.

Assim, chama a atenção que o amplo movimento de luta pela defesa da Nação brasileira, indispensável em seu caráter popular, não deva aceitar um patriotismo retórico, de camisetas e meias verde-amarelas, enquanto a exploração, a expulsão de trabalhadores e os assassinatos de lideranças camponesas, indígenas e ecologistas continuem impunes no campo.

Devemos nos destacar do imenso movimento de colaboração de classes — afinal, uma tese fascista — que oculta e apaga a exploração de classes e aprofunda a desigualdade social do país, como se expressa hoje no mapa fundiário brasileiro.

A estrutura fundiária brasileira, desigual e injusta, traduz de forma clara a desigualdade da estrutura de classes sociais projetada sobre a terra. A verdadeira luta anti-imperialista deve ser conduzida em duas frentes: contra a subordinação externa e contra a exploração interna.

As lutas sociais não podem, e não devem, servir de biombo para a defesa do capital do agronegócio e de seus laços bancários internacionais. A crítica ao trumpismo não deve ser feita pela direita do espectro político. Não podemos assumir a orfandade do neoliberalismo globalista nem a dependência estrutural da economia brasileira. Cabe desnudar as condições históricas que nos lançaram na própria situação de dependência!

Pela Reforma Agrária e pela Terra para Quem Nela Trabalha!
A soberania nacional é expressão da soberania popular!

Francisco Carlos Teixeira da Silva, UFRJ

Historiador e Cientista Político formado em História e Educação pela UFRJ, com estudos de Pós Graduação na UFF, USP, na Frei Universität Berlim, na Technische Universität Berlin e na La Sapienza.