Carta para você que pediu um link para os meus peitos

Atualizado em 16 de dezembro de 2014 às 11:29

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Publicado no site da Info, no blogue da Redação. A autora é a jornalista Paula Rothman:

Oi

Há mais de cinco anos eu tento seguir aqui na INFO a máxima que aprendi no meu primeiro dia de trabalho (vlw Léo Martins e Fabiano Candido!): não alimente os trolls.

Mas hoje você me mandou essa mensagem no Facebook, e eu achei que valia uma resposta.

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Estou tentando entender porque você achou que isso seria uma boa ideia. Provavelmente você pensou que seria um elogio (“que mulher não gosta de elogios?”) e que eu, com certeza, poderia te ajudar mandando o link. Afinal, aparentemente, nele meus peitos estão mais à mostra do que o normal.

Provavelmente foi só isso, sem nenhuma maldade. Acertei?

Mas eu só queria dizer, para evitar possíveis confusões futuras, que o seu raciocínio não foi muito preciso.  Na verdade, ele foi ofensivo. Não faça isso, nunca mais.

Primeiro, porque eu não me senti elogiada. Pelo contrário. Receber uma mensagem de alguém comentando o meu decote é bastante perturbador. Por motivos que você não sabe (obviamente, porque a gente não se conhece), esse é provavelmente o pior “elogio” que eu poderia querer receber de uma pessoa. Isso é meio oversharing, mas só queria tentar mostrar que, por mais incrível que possa parecer, nem todo mundo pensa, sente e gosta das mesmas coisas que você.

Se eu quisesse receber comentários pelo meu decote, pode ter certeza, estaria mostrando ele mais vezes e sem nenhum problema. De verdade. Mas… se esse fosse o caso, você não teria que estar caçando um link específico onde acha que viu alguma coisa. O que nos leva ao seu segundo erro de raciocínio: é impossível achar o link que você está pedindo.

Após 5 anos e meio e mais de 400 vídeos gravados eu não tenho a menor ideia do que vesti em qual dia. Aliás, sabe o que é curioso? Mesmo camisas abotoadas até o pescoço já foram motivo de comentários como os seus. A conclusão é a de que nenhuma peça de roupa pode passar com louvor no critério arbitrário de modéstia da humanidade. Então, #FoiMal, eu nem imagino o que usei para estar, na sua opinião, com um “decote generoso”.

Se você leu até aqui, espero que tenha entendido os meus motivos para responder dessa forma à sua mensagem. A verdade é que esse texto não é só para você. Há anos meus colegas e eu recebemos mensagens bastante agressivas dos leitores. Algumas, bastante perturbadoras:

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Há algumas semanas, uma gamer americana ganhou notoriedade quando entrou em contato com as mães dos rapazes que enviaram a ela ameaças de estupro (veja aqui). O sujeito do e-mail acima, que me chamou para o motel, é noivo (#FacebookAbertoDáNisso). Como a noiva dele se sentiria se recebesse essa mensagem de um estranho?

Péssima, pra dizer o mínimo.

Por semanas depois desse e-mail fiquei me sentindo um lixo, tentando descobrir o que havia feito para provocar essa reação. Hoje, depois da sua mensagem no Facebook, essa sensação voltou. Por sorte, está mais fácil por a cabeça no lugar e ver com clareza: nada que eu possa fazer, vestir ou falar dá a alguém o direito de me escrever essas palavras.

Espero que pense nisso antes de enviar a próxima pergunta.

Obrigada

Paula

P. S. Algumas das questões que eu comento aqui também foram abordadas pela INFO em março com uma capa sobre mulheres