“Casamento é submissão”: a fala de Heloísa Bolsonaro no país que mais mata mulheres no mundo. Por Nathalí

Atualizado em 5 de setembro de 2022 às 11:04
Eduardo Bolsonaro e sua esposa, Heloísa – Foto: Reprodução

Por Nathalí Macedo

Eis uma das razões pelas quais a democracia é, digamos, complexa: qualquer pessoa pode lançar mão de pautas como igualdade de gênero para dizer qualquer barbaridade.

Foi o caso de Heloísa Bolsonaro, esposa do deputado federal Eduardo Bolsonaro, durante evento intitulado “Mulheres pela Vida e pela Família”, organizado pela ala feminina do PL em Nova Hamburgo (RS).

O negócio reuniu cerca de 4 mil mulheres e contou com a presença de figuras do anti-feminismo brasileiro, como Michelle Bolsonaro e Damares Alves.

Depois de cantar parte do hino nacional, Heloísa exibiu o vídeo do parto de sua filha, Geórgia, de 1 ano de 11 meses, que não acompanhou a mãe no show de horrores (sorte dela): um bom caminho para transformar um evento político em um antro de mulheres convencidas de que a maternidade, sobre todas as outras coisas, as tornam mulheres.

Essa abertura decerto não foi um acaso: corroborou com todo o discurso de Heloísa, que por sua vez esteve alinhado ao posicionamento tosco de seu marido e de toda a família Bolsonaro.

Ao contar sua história pessoal com o marido, Heloísa lembrou dos tempos em que dizia que Eduardo teria capacidade para fazer outras coisas além da política – duvido muito, mas se ela diz… – e disse atualmente envergonhar-se da fala.

“Percebi que é sua missão. E, se essa é a missão dele, é a minha também. Casamento é submissão”, arrematou.

Lamentável, mas não surpreendente. Esse é o discurso oficial do bolsonarismo. Um discurso baseado no velho testamento e que se sustenta no provincianismo e na burrice das mulheres que o apoiam.

Desculpem, amigas: burrice.

Ser feminista não me impede de enxergar a burrice onde ela salta aos olhos. Em uma época em que o acesso à informação é fácil para gente como Heloísa, e em que o discurso de submissão da mulher ao marido é não apenas obsoleto, mas violento, reproduzi-lo é o suprassumo da recusa em usar o cérebro – ou, na melhor das hipóteses, o ápice da desonestidade intelectual.

“Não se engane, nenhuma mulher é insubmissa, independente e livre”, completou.

Nesse ponto, me ocorre certa compaixão por ela e pelas 4 mil mulheres que escutavam esse absurdo. Tendemos a dizer que não existe aquilo que não conseguimos ou não podemos alcançar.

Decerto essas mulheres não conhecem a Marcha das Margaridas e nunca ouviram falar em Maria Quitéria, coitadas.

Tomam como modelo de mulher uma criatura que compara a submissão às leis de trânsito à submissão da mulher ao marido – uma comparação tão estapafúrdia quanto fazer uma festa de criança com tema de armas, como fizeram Eduardo e Heloísa este ano.

As críticas tecidas ao movimento feminista durante o evento – que davam conta de que ele “desvalorizou o lar, a vida humana e a figura masculina” não atinge a nenhum dos feminismos porque parte de uma premissa completamente equivocada: os feminismos não destroem o lar, apenas propõem repensar seu modelo patriarcal; a figura masculina, a depender do nível de ego, não resta desvalorizada, mas questionada em seu átomo mais primitivo, a masculinidade tóxica, questionamento que beneficia, inclusive, aos próprios homens – ou ao menos àqueles que pensam.

Mas o festival de absurdos não termina por aí: a fala de Jair Bolsonaro foi a cereja do bolo. “Preferem sacar a Lei Maria da Penha ou uma pistola?”, questionou, ao defender a liberação de armas em um evento cristão (?)

Eu não sei vocês, mas eu prefiro me valer de uma lei democrática do que de uma pistola que pode ser usada contra mim – exceto quando esta lei não funciona, como não tem funcionado durante o governo Bolsonaro, graças à institucionalização da violência de gênero.

Também não sei quanto às 4 mil mulheres que estavam no evento, mas, graças à gestão Bolsonaro, as famílias brasileiras não têm conseguido comprar sequer um quilo de carne, quem dirá uma pistola: eis o fantástico mundo do bolsonarismo.

Vergonhoso para cada uma dessas mulheres ainda terem a coragem de apoiar um político que, para além de odiar mulheres, é, na prática, um anti-cristão. Vergonhoso, sobretudo, diante do aumento vertiginoso de casos de violência contra a mulher durante sua gestão (em 2020, foram mais de 17 milhões de casos).

O que Bolsonaro e os bolsonaristas ainda não entenderam é que os dados falam por si, e de nada adianta convidarem Micheque, vestida de cor de rosa, pra encher a bola do marido em um evento antifeminista tosco.

As eleições estão tão perdidas para ele quanto a moral que a família Bolsonaro nunca teve, e as mulheres que vergonhosamente o apoiam são, felizmente, minorias.

Para nossa sorte, falas como a de Heloísa e de seu sogro servem apenas como combustível para os melhores memes da internet. “Casamento é submissão” ressoa, no país que mais mata mulheres no mundo, como uma piada, exatamente como a própria Família Bolsonaro se apresenta.

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