Caso Deltan pode mudar jurisprudência sobre atos contra órgãos administrativos. Por Fernanda Valente

Atualizado em 11 de agosto de 2020 às 12:45
Deltan Dallagnol (José Cruz/Agência Brasil)

PUBLICADO NO CONJUR

POR FERNANDA VALENTE

Mais do que decidir pelo trancamento de processos contra o procurador da República Deltan Dallagnol, o Supremo Tribunal Federal está diante da possibilidade de atualização em sua jurisprudência sobre a competência para julgar ações contra atos de órgãos administrativos.

Os pedidos apresentados pelo procurador à Corte nesta segunda-feira (10/8) destacam a inconsistência da jurisprudência sobre o tema, o chamado “overruling“.

A Constituição Federal define, em seu artigo 102, que é competência do Supremo processar e julgar as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. E assim o foi durante os anos em que o STF pacificou o tema, incluindo logo que essa competência deve ser limitada às ações constitucionais, ou seja: mandados de segurança, mandados de injunção, habeas corpus e habeas data.

Mas há fundamento para amplificar essa competência ainda mais e causar uma mudança na jurisprudência. Recentemente o ministro Luiz Fux apontou que há decisões indicando que a corte pode ampliar os casos de julgamento, para restringir a interferência de outras instâncias.

O caso em análise pelo ministro era uma reclamação em que a União alegava que a Justiça Federal do Paraná usurpou a competência do STF para julgar uma ação ordinária também ajuizada por Deltan. À época, a Justiça de Curitiba suspendeu o julgamento de outro processo administrativo disciplinar no CNMP.

Fux então acolheu o pedido e cassou liminar que impedia o julgamento. E apontou julgados nos quais os ministros vão além e entendem que admitir a competência de magistrados de primeira instância para a revisão de decisões do CNJ ou do CNMP “implicaria em quebra da relação de hierarquia estabelecida na Constituição e deturpação da própria ratio iuris da criação de referidos”.

O ministro vê nessa competência do STF, prescrita no artigo 102, “um mecanismo assecuratório das funções do CNMP e do CNJ e da imperatividade de suas decisões, concebido no afã de que provimentos jurisdicionais dispersos não paralisem a eficácia dos atos do Conselho”.

São nestes argumentos que se apoiam os representantes de Deltan, o ministro aposentado do STF Francisco Rezek e o advogado Alexandre Vitorino. Para eles, a corte está diante do “overruling da antiga jurisprudência”. “Overruling ocorre quando um tribunal se dá conta de que tem de mudar sua jurisprudência. Deve demonstrar porque está assim agindo. Além de explicar as razões legais, deve dizer por qual prognose o faz”, explicou o jurista Lenio Streck em sua coluna na ConJur.

Questionamento do procurador

No Supremo, Deltan pede a suspensão imediata da tramitação de dois processos movidos contra ele por parlamentares. O pedido que mais o pressiona é da senadora Kátia Abreu, que pediu seu afastamento da autointitulada força-tarefa da “lava jato” de Curitiba.

Alegando interesse público, a senadora diz que manutenção de procurador no comando da força-tarefa coloca em risco trabalhos da operação, apontando casos em que Deltan usou cargo para promoção pessoal — por exemplo, dando palestras remuneradas. Ela também menciona o acordo bilionário com a Petrobras que seria destinado a uma fundação gerida por procuradores e aponta que o procurador é alvo de outras reclamações.

Para tentar suspender a tramitação deste caso, os advogados afirmam que os processos contêm acusações que já foram rejeitadas pela Corregedoria do MPF, inclusive arquivadas. Também sustentam que a mera existência de reclamações disciplinares “não prova a ocorrência de qualquer ilícito funcional e nem demonstra a existência de interesse público a recomendar a sua remoção para outro ofício ministerial”.

O outro processo, movido pelo senador Renan Calheiros, sustenta que Deltan usou as redes sociais para tentar influenciar no resultado da eleição dos líderes do Senado, em 2019. Argumenta que o procurador abusou do seu direito de livre expressão e contrariou seu dever funcional.

Neste caso, os advogados dizem que Deltan não falou em nome do Ministério Público Federal, “mas sim em nome próprio, como qualquer outro cidadão, como esclarece a sua conta no Twitter”. Além disso, argumentam que a força da opinião, como cidadão, “isoladamente, não tem aptidão e nem o peso político que lhe atribui o senador representante para gerar determinado resultado eleitoral”.

Por fim, apela para sua bandeira anticorrupção e afirma que seus comentários foram comedidos e que, na verdade, “as mensagens enveredam por legítimas considerações críticas de política pública criminal anticorrupção”. Os advogados também afirmam que o procurador obedeceu as regras previstas na Recomendação 01/2016 do CNMP.

Os pedidos estão na pauta da próxima sessão do CNMP, no dia 18. Deltan pede que eles sejam retirados até o julgamento definitivo no Supremo. O relator dos pedidos é o decano da corte, ministro Celso de Mello.