
Duas notícias me deixaram intrigado — e contrariado: a Defensoria Pública da União (DPU), no âmbito de instauração de procedimento disciplinar contra Eduardo Bolsonaro no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, o havia defendido, na ausência de nomeação de defensor por parte do investigado. Também EB é defendido pela DPU no processo que lhe move o PGR por obstrução de justiça no STF.
Fui bastante criticado especialmente por membros da Defensoria. O que pretendi — e pretendo — é que se problematize o tema. Só isso. Nada será alterado em relação a EB. A Defensoria já tem posição consolidada nesses temas. Nada alterarei. Apenas desejo colocar em discussão temas sensíveis.
Por isso: é causa finita que pessoas não vulneráveis podem ser defendidas no direito criminal pela DP? Resposta: parece que sim.
Mas, vamos lá. A regra geral para alguém ser assistido pela defensoria, salvo casos específicos (como crime e processo administrativo — ambos exigem advogado), começa pelo requisito de haver um limite de renda familiar mensal de R$ 2 mil para configurar como assistido (parece que varia de estado para estado). Sei que esse limite não é taxativo, por causa do conceito alargado de vulnerabilidade. Não desconheço isso.
Obviamente não é o caso de EB, quem, por não ter sido devidamente citado em território nacional — está há meses conspirando contra o Brasil nos Estados Unidos —, teve sua defesa feita (no administrativo e penal) por DP. O argumento utilizado pelo presidente do Conselho de Ética da Câmara foi o de que “não havia nenhum membro da Advocacia da Câmara disponível na data para efetuar a defesa do investigado”.
Já no caso do STF, o tribunal nomeou um defensor público para defender EB no caso da denúncia por obstrução.
Muitas respostas foram dadas a minha crítica. Despiciendo relembrar meu respeito pela classe. Sorte de quem tem direito a um defensor público. Aguerridos, os defensores(as) são muito competentes. Exercem um dos trabalhos mais louváveis de nosso sistema de justiça, disso não resta a menor dúvida.
Muitas das respostas insistiram no argumento de que eu — ao sustentar minha crítica nos dispositivos da CF e do CPP —, estaria fazendo uma leitura “literal” e, portanto, “anacrônica”. Bom, já digo que podemos colocar no lugar de EB qualquer caso de não vulnerabilidade. Qualquer. Fiz a mesma crítica para o caso de dois delegados de polícia no RS (salários equivalentes aos dos juízes) que foram defendidos pela DP há alguns nãos. Trata-se de uma discussão de princípio e não de consequência.
Examinando o CPP e a CF, temos que: artigo 5º, LXXIV — o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Isso se repete no artigo 134 da CF.
Já o CPP diz no artigo 261: nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.
Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.
Veja-se: ou dativo. O CPP não exclui o dativo. E, atenção: esses dispositivos foram novados por leis federais de 2003 e 2023. Isto quer dizer que não calha a tese de que o CPP é de 1941, quando não existia defensoria.
Na sequência, o CPP diz no artigo 264, parágrafo 3° (com redação albergada por lei em 2023), que “em caso de abandono do processo pelo defensor, o acusado será intimado para constituir novo defensor, se assim o quiser, e, na hipótese de não ser localizado, deverá ser nomeado defensor público ou advogado dativo para a sua defesa“. De novo: ou advogado dativo.
E vejamos o parágrafo único do artigo 263: o acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz. Uma leitura estrita desse dispositivo colocaria na ilegalidade inclusive o pagamento de honorários a defensor publico (que vai para um fundo). De todo modo, creio que, para além de uma leitura literal, esse dispositivo deve ser lido em conjunto com a sistemática desse capítulo do CPP e em conformidade com a CF.
O que isso tudo quer dizer é que o CPP atualizado/alterado em 2003 e 2023 não excluiu a hipótese de defensor dativo. Não colocou o monopólio da defesa criminal de não hipossuficiente na mão da DP.
Na verdade, o legislador deixa o espaço para que, nos casos de não vulnerabilidade, seja nomeado um dativo. Normal, porque há mais de 1,5 milhão de causídicos no Brasil. Na medida e que o CPP prevê o pagamento de honorários ao dativo, por qual razão nomear DP para réu com posses, claramente não vulnerável (pense-se, aqui, no caso EB e em outras hipóteses quetais)?
Por isso, e deixei claro várias vezes a intenção de problematizar o tema; questionei se não seria o caso de se nomear, então, um defensor dativo a EB, com pagamento dos honorários pelo próprio investigado, já que não se afigura, nem de longe, o caso de vulnerabilidade econômica (e nem de qualquer outra vulnerabilidade, necessidade ou hipossuficiência).
A contestação ao meu argumento vem de julgado do STF (lido de forma descontextualizada), no qual se decidiu que:
“[n]ão se justifica, a nomeação de defensor dativo, quando há instituição criada e habilitada à defesa do hipossuficiente.” (RHC 106.394, Relª. Minª. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 08-02-2013).
Perfeito. Leiamos de novo: “[n]ão se justifica a nomeação de defensor dativo quando há instituição criada e habilitada à defesa do hipossuficiente”. Está claro: defesa de hipossuficiente. A contrario sensu, se o acusado não for hipossuficiente, não cabe à DP a defesa.
De fato, não se justifica a nomeação de dativo para réu pobre se existir DP. Óbvio isso. Mas de um é (não se justifica…), não se tira um deve (para os casos de réu não hipossuficiente!). Eis a Lei de Hume, que nem o STF pode violar.
Mais: a ementa do julgado do STF fala ainda que o “necessitado” não é só o pobre. OK. Correto. O conceito evoluiu, abrangendo a “vulnerabilidade jurídica” e “organizacional”. A questão que fica é: EB é algum tipo de vulnerável? Se sim, I Rest my case. Se não, voltamos à discussão. E, por favor, isso é para o bem da defensoria, que não deve ser utilizada — porque se trata de valiosos recursos públicos — para fins não autorizados pela CF (que vale mais do que qualquer resolução ou até mesmo obter dictum de acordão do STF).
Houve vários argumentos que foram usados para me criticar. Por exemplo, “a hipossuficiência financeira não é mais o único parâmetro” para a atuação da defensoria. De acordo. Mas, há muitas formas de se analisar esse tópico, que evidencia alguns dos muitos problemas do direito brasileiro que denuncio quase que diariamente. Na sequência, falarei disso.
Também se disse: não se vislumbra vulnerabilidade econômica no EB, nem outras [vulnerabilidades], mas também não fiquemos nessa interpretação literal da CF prejudicial ao fornecimento de serviço público…. Perdão, mas se não há qualquer vulnerabilidade, não é o caso de se obedecer ao que diz a CF? No que a literalidade acaba com algum direito da defensoria?
Limites semânticos do conceito de ‘vulnerabilidade’
Outro argumento que me foi apresentado pelos defensores da tese que a DPU deve defender EB é o de que a instituição, entre todos os órgãos que compõe o sistema de justiça, é o mais novo e, justamente por isso, o que está ocorrendo neste caso é um exemplo da “mutação institucional” (sic) da DP. Confesso não ter entendido o argumento. Mais: que um dos principais trabalhos da DP nesse momento é desenvolver um entendimento “menos literal” da CF. A ideia é reconhecer outras vulnerabilidades que não apenas a econômica.
Vamos lá. É evidente que não me oponho a que as novas dinâmicas sociais em tempos de modernidade tardia (país pobre como o nosso) nos obrigue a reconhecer novas vulnerabilidades. Nesse sentido, já de pronto pergunto: por qual razão a Defensoria limita a assistência a quem recebe até R$ 2.000? Como fica a argumentação da “não literalidade”? Se serve para o crime, por que não serve para as demais áreas? Na medida em que esse limite de R$ 2.000 (como falei, fosse 5.000 nada alteraria) não se aplica ao crime, ainda assim fica a pergunta: quem dá assistência jurídica aos que recebem, por exemplo, R$ 5.000 por mês, o que, convenhamos, é pessoa bem vulnerável economicamente, pois não? Bem diferente de pessoas como EB.
Isso faz parte do chamo de buscar uma resposta adequada à Constituição e de que a leitura do texto constitucional precisa ser feita de maneira integrada e não isolada e criterialista (que, registre-se, é uma característica do positivismo jurídico). Nada de novo por aqui. Todavia, se o reconhecimento de “novas vulnerabilidades” significa utilizar uma Instituição que a CF destina a defender hipossuficientes para fazer a defesa de um ator político que possui todos os meios para se defender e cuja inércia é claramente proposital e voltada a protelar a duração dos processos que têm contra si, creio que já não estejamos falando em vulnerabilidade. Ou melhor: talvez estejamos instrumentalizando um conceito importante, politizando uma questão que deveria ser filtrada pelo direito, não o contrário.
Por outro lado, se alguém acredita que EB é um perseguido político e que sua inércia é legítima – e, portanto, é um vulnerável -, talvez possamos defender a tese de que sua defesa pela DP é correta, por se tratar de uma “nova forma de vulnerabilidade”. Claro que Carla Zambelli se enquadraria também nessa hipótese. Talvez o próprio ex-presidente JB. Afinal, quem ficaria de fora do neo conceito? E, desse modo, isso poderia ser aplicado a qualquer acusado que, querendo mostrar rebeldia contra o sistema, não constitua advogado, mesmo tendo amplas possibilidades de o fazer. Podemos transformar isso em regra geral, universalizável?

Mas ninguém quis arguir essa tese. Só se falou em outros exemplos. O que me leva a pensar que o próprio desenvolvimento desses conceitos de “novas vulnerabilidades” não vem sendo bem trabalhado e desenvolvido teoricamente. Aliás, “o que é isto — a vulnerabilidade?” Precisamos teorizar a vulnerabilidade. Talvez já a tenhamos. Afinal, muitos autores especialistas em direitos humanos desenvolvem o tema e estou certo de que o caso de EB não se enquadra no conceito.
O caso de violência domésticas, como exemplo de pessoas que não são hipossuficientes, mas que são assistidas pela DP, não pode ser levado em conta como “precedente argumentativo” para o caso EB e similares. Será possível comparar o caso de EB a um caso de uma mulher de classe média que é assistida pela defensoria? A pergunta é retórica. Isso me leva ao alerta: o cuidado para não se “criterializar” discursos. “Novas vulnerabilidades”. Correto. Quem seria contra? Parece que ninguém. Agora, criterializar o conceito e fazê-lo caber em qualquer caso me parece inadequado. Temos de cuidar com essas armadilhas discursivas. Outra coisa: os artigos do CPP que tratam da matéria não estão “velhos”. Eles foram, digamos assim, novados em 2003 e 2023. A figura do dativo não está vedada. O STF diz que está vedado nas hipóteses de acusado hipossuficiente. Caso contrário, o STF deveria ter considerado inconstitucionais os dispositivos dos aludidos dispositivos do CPP. E não o fez. E ainda existe controle de constitucionalidade no país.
Outra coisa: o documento “100 regras de Brasília para o acesso à justiça” não pode valer mais que a CF. Deixemos que o texto nos diga algo e respeitemos os limites semânticos dos conceitos jurídicos, inclusive o de “vulnerável”. Não é vedado interpretar um texto ficando nos seus limites semânticos, desde que a sua interpretação não produza um oximoro jurídico, como no exemplo dos cães na plataforma ou do artigoo 142 da CF.
Como as três perguntas fundamentais podem resolver o caso?
Já há algum tempo desenvolvi uma criteriologia judicial capaz de impedir que uma decisão seja ativista. Essa “heurística” é parte de uma teoria da decisão elaborada em obras como Verdade e Consenso, Dicionário de Hermenêutica e Hermenêutica, jurisdição e decisão e parte de três perguntas fundamentais que um juiz (ou qualquer agente do estado e da justiça cuja competência, em razão do cargo que exerce, envolva um agir que requeira imparcialidade, ou, no limite, impessoalidade). No caso Homeschooling a tese foi aplicada pelo ministro Gilmar.
Sobre primeira pergunta — está-se diante de um direito fundamental com aplicabilidade direta? — creio que a resposta admite controvérsia, porque EB possui o direito fundamental à defesa, mas não a um defensor público — exatamente por não ser vulnerável. De todo modo, considerando que a ampla defesa é um direito fundamental, podemos afirmar que sim, há um direito exigível nesse exato nível.
O problema, penso eu, está ao responder a segunda pergunta: o atendimento a esse pedido pode ser, em situações similares, universalizado — isto é, concedido às demais pessoas? Nesse caso, a resposta aparentemente pode ser formalmente “sim”, mas a realidade material é que há uma dificuldade imensa de se universalizar a assistência jurídica às mais diversas comunidades hipossuficientes e vulneráveis no país.
Além disso, nas demais áreas há sérios obstáculos opostos à assistência jurídica. Seria constitucional que alguém com recursos — e com capital político — seja assistido enquanto tantos outros vulneráveis fiquem ao relento do acesso à justiça? Mais: o atendimento a EB, não vulnerável, pode ser estendido a todas as pessoas que ganham mais de 2 mil reais por mês, no caso de matéria não-criminal? Portanto, falta umiversalidade.
Como a resposta a essa pergunta é “não”, parar-se-ia por aqui. Mas penso que a resposta a esse caso específico deva ser lida conjuntamente à terceira pergunta (para atender aquele direito, estou ou não fazendo uma transferência ilegal-inconstitucional de recursos, que fere a igualdade e a isonomia?), justamente porque se trata de uma quebra na isonomia de tratamento para com os demais (e verdadeiros) vulneráveis que esperam assistência jurídica do Estado brasileiro. Veja-se: não constituir um advogado no caso de alguém que, notoriamente, possui essa condição de não-vulnerável, é uma opção. Uma escolha. EB, por exemplo, escolheu não constituir advogado. E isso tem ônus. É como alguém que acredita que, engolindo três pescoços de galos-índio ficará purificado. Tem direito à sua crença. O que ele não tem direito é de receber do Estado os tais pescoços. Sua escolha tem ônus. EB tem ônus. A sua felicidade não pode ser suprida pela transferência de recursos de outras pessoas (mormente os pobres que dependem, verdadeiramente, da valorosa e eficiente DP).
Há mesmo uma holding que permite a atuação da DP em qualquer caso na jurisprudência?
Um amigo defensor público ainda mencionou uma (suposta) posição dos tribunais sobre o tema. Essa tese passa por considerar todo revel penal como um “vulnerável por natureza”. Tabula rasa. Ada Grinover chegou a afirmar que todo acusado é vulnerável frente ao poder estatal. Por isso, lembra o meu amigo defensor, essa condição de vulnerabilidade jurídica do revel penal, a qual o relega a um estado de indefeso, é inadmitida pelo Estado brasileiro quando este se comprometeu com a Convenção Interamericana de DH (artigo 8, número 2, item “e”). Nesse sentido, a hermenêutica da expressão “necessitados” adotada pelo STF (ADI 3.943) e pelo STJ (EREsp 1.192.577) seria mais aberta, abrangendo a hipossuficiência jurídica do revel penal. Bom, se toda e qualquer pessoa é vulnerável pelo fato de ser processado, então temos que “se tudo é, nada mais é”. Na filosofia se sabe o que é isso.
Veja-se: não questiono a constitucionalidade do termo “vulnerabilidade jurídica”. Frente ao Estado, somos quase todos vulneráveis. Quase. O problema, e outra vez aponto aqui para o tema do criterialismo, é como esse conceito é aplicado de uma maneira lógico-formal, como se todos os casos se aplicassem a ele. Não é porque um revel está em condição de vulnerabilidade formal frente ao Estado que ele é vulnerável.
Esse é o ponto. E, sobre isso, os Tribunais Superiores nada disseram. Lembro que tanto o julgamento da ADI 3.943 quanto o julgamento do EREsp 1.192.577 diziam respeito à legitimidade da DP para propor ação civil pública. O STF, por um lado, decidiu que a presunção de que existam pessoas necessitadas no rol de afetados pelos resultados da ação coletiva é suficiente a justificar a legitimidade da DP. Ainda assim, ressaltou que a DP somente estará autorizada a prosseguir com a liquidação e execução da sentença proferida nas ACP’s “em relação aos que comprovarem insuficiência de recursos, pois, nessa fase, a tutela de cada membro da coletividade ocorre separadamente, sendo possível atender apenas a esse grupo [vulnerável]”.
Por outro lado, a decisão do STJ foi ainda mais restrita. A Corte Especial destacou que a expressão “necessitados” (artigo 134, caput, da Constituição) deve ser entendida, no campo da ACP, “em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros — os miseráveis e pobres —, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras)”.
Como se vê, não há, nas decisões dos Tribunais Superiores, uma holding instrumentalizando o conceito de vulnerabilidade para permitir uma atuação da DP em qualquer caso. Afinal, dizer que a DP tem legitimidade para ajuizar ações civis públicas em defesa de interesses difusos e coletivos, bem como para tutelar os direitos de grupos hibervulnerabilizados não é um cheque em branco para a defesa de Deputados Federais que conspiram contra o país. A DP é financiada com dinheiro público. Sua atuação, portanto, deve ser orientada por finalidades públicas.
Logo, mesmo se fizermos uma interpretação extensiva do termo “necessitados” da Constituição e da própria jurisprudência dos Tribunais Superiores, não encontraremos esse caso de EB como um exemplo de alguém que possa ser considerado vulnerável como uma pessoa com deficiência, uma vítima de violência doméstica, um indígena, quilombola etc. Portanto, a jurisprudência do STF e do STJ não se aplica ao caso EB e similares.
Limites semânticos e os constitucionais
A prova de que nem todos são vulneráveis — nem mesmo aos olhos da DP — é que, como me apontou uma defensora pública federal, mesmo a regra sendo garantir a ampla defesa e contraditório no crime independentemente da renda do acusado, deveria ser instaurado um procedimento interno para averiguar a concretude. Concordo.
No caso, ao ter sido intimada, a DPU deveria ter simplesmente dito que não é caso de sua competência — isto é, que o acusado, por fato notório, tem a capacidade de constituir advogado (e não o fazer é uma opção sua e não contingência de sua “vulnerabilidade”) — e devolvido o processo. Mas não foi feito isso. Tanto no processo administrativo como no criminal.
Há argumentos respeitáveis em favor da tese de que, na medida em que o réu não pode ser julgado sem advogado, deve ser indicado um DP e não um dativo. Desde que o réu se enquadre no conceito de vulnerável. Afinal, embora isso não tenha previsão legal-constitucional, o assistido deve pagar honorários que são recolhidos em um fundo da DP.
Porém, gostaria que a DP problematizasse os casos notoriamente não enquadráveis no conceito — mesmo alargado — de necessitado. Faria bem ao Brasil. E daria um recado do sistema de justiça para os não vulneráveis:
a um, no sentido de que a DP não atende aos que, em uma sociedade díspar como a nossa, sempre tiveram todas as oportunidades, negadas à imensa maioria do povo (afinal, la ley es como la serpiente; solo pica al descalzos — e isso não se alterou nas últimas décadas);
a dois, que a não indicação de advogado por parte do acusado não-vulnerável é uma opção sua que não deve ser suprida-atendida com gastos de recursos públicos (mesmo que sejam recolhidos honorários, não se paga o tempo gasto pelo DP, que poderia estar atendendo a uma pessoa efetivamente vulnerável).
Não sejamos, portanto, ingênuos ao atribuir a defesa de EB a um conceito vago e criterialista de “vulnerável”. Cuidemos dos limites semânticos — e constitucionais — da atuação desse órgão tão importante que é a Defensoria Pública. Este é um país repleto de vulneráveis. EB não é um deles.
No mais, cumprimentos aos valorosos defensores e defensoras de todo o Brasil: quem é advogado sabe do que estou falando; é como o mito de Sisifo. Por isso minha solidariedade e meu respeito.
Apenas quero, aqui, problematizar algo que não só incomoda a mim, mas a muitas pessoas nesse país tão desigual.