Até a Argentina sofre o impacto do jornalismo de mentira da Veja

Atualizado em 15 de abril de 2015 às 20:58
Gianca, presidente da Abril
Gianca, presidente da Abril

De Buenos Aires

A Veja publicou há algumas semanas reportagens, com fontes não identificadas, que denunciavam uma conspiração corrupta, batizada pela revista de “Conexão Teerã-Caracas-Buenos Aires”.

Segundo as anônimas, mas confiáveis fontes da revista, os governos do Irã, Argentina e Venezuela teriam se aliado secretamente para garantir, entre outras coisas, impunidade a terroristas iranianos, ajuda ao projeto nuclear de Hassan Rohani, e a perpetuação no poder de “perversos modelos populistas na América Latina”.

Como parte de um pacote jornalístico sem provas, Veja atravessou a fronteira e partiu para cima de Máximo Kirchner, militante da organização juvenil kirchnerista La Cámpora, e herdeiro legal e político de Nestor Kirchner.

Em uma reportagem baseada em fontes anônimas, Veja acusou Máximo de manter contas milionárias, fora da Argentina e em paraísos fiscais.

A denúncia sem provas de Veja logo repercutiu por aqui. O jornal Clarín foi o primeiro a publicar na manchete a acusação de Veja. Em um texto repleto de verbos no condicional (teria, haveria, seria, poderia), Clarín respaldava a denúncia de Veja, sem apresentar prova alguma.

Na mesma manhã veio a resposta de Máximo. Numa entrevista a Vitor Hugo Morales em seu programa de rádio, transmitida simultaneamente por canais de TV e outras rádios, Máximo negou todas as acusações.

O jornal La Nacion, tradicional aliado do Clarín nas denúncias contra o governo, foi mais cauteloso. No mesmo dia da publicação do concorrente, Hugo Alconada Mon, secretário de redação, aconselhava por Twitter: “Prudência e cuidado com as acusações a Máximo, por inconsistências nos documentos obtidos”.

Agora, chegou uma informação oficial: a entidade bancária CNB, dona do Felton Bank de Delaware, confirmou que Máximo Kirchner nunca foi correntista do banco.

Antes mesmo do desmentido oficial, publicado hoje, Eurípedes Alcântara, diretor de redação da Veja, já ensaiava uma estranha defesa pública para justificar o injustificável. Em um rebuscado editorial publicado na semana passada, entre citações a Fernand Braudel e o papel da imprensa, disparou:

“A publicação de reportagens — como as que revelam o acordo Caracas-Teerã-Buenos Aires e a existência de contas conjuntas no exterior da família Kirchner e uma alta funcionária do governo argentino — não devem ser vistas como o julgamento definitivo sobre esses fatos. Uma boa reportagem é apenas uma porta aberta para outras reportagens. Não quero e não posso aqui afirmar que as reportagens de VEJA sobre esses episódios, sendo fidedignas e corretas no essencial, sejam absolutamente verdadeiras em todos os menores detalhes. O que quero e posso afirmar é que na história de 46 anos de VEJA, chegar e se manter na posição de maior, mais lida e respeitada revista de informação do Brasil é um feito conseguido não pela publicação apenas de verdades absolutas, mas por meio da absoluta clareza de propósitos na busca da verdade. É exatamente isso o que incomoda e nos distingue de arranjos políticos com pendor totalitário. Eles acreditam ter encontrado e se assenhorado da verdade. Nós estamos sempre em busca dela.”

Ele não quer e não pode afirmar que as reportagens de Veja sejam absolutamente verdadeiras em todos os menores detalhes (!!!). Em editorial assinado por seu diretor de redação, Veja revela que publica “detalhes menores”, não absolutamente verdadeiros.

Trocando em miúdos, Veja publica detalhes maiores e menores sobre a realidade. Os menores, não necessariamente verdadeiros. Com que direito? Na estranha lógica de Eurípedes e Veja, tradição e liderança no jornalismo justificam a publicação de “detalhes menores” não necessariamente verdadeiros.