Caso Mayara: a confissão de um assassino que se sabe perdoado. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 5 de agosto de 2017 às 19:10
Mayara

Devo mencionar, porque provavelmente muitos já esqueceram, que há alguns dias escrevi sobre o feminicídio de Mayara Amaral, estuprada, morta e carbonizada por três homens, dentre eles seu ex-namorado.

As pessoas costumam esquecer dos feminicídios, então nunca é demais lembrar.

Esse termo, aliás, me rendeu o bom e velho linchamento virtual: “feminicídio não existe, é homicídio”, eles diziam. Sim, claro, porque mulheres não morrem apenas por serem mulheres no Brasil. De onde eu tirei essa ideia descabida?

Hoje, um dos assassinos de Mayara – não por acaso, seu ex-namorado – portanto autor do crime de feminicídio que, também não por acaso, mas por conta do sistema jurídico brasileiro patriarcal, não consta no código penal, fez favor de confessar o crime e dizer à Veja o óbvio: “Fui movido pelo ódio.”

Sim, amigos – especialmente amigos que são contra o termo feminicídio: homens criminosos são eventualmente movidos pelo ódio (misoginia) às suas vítimas mulheres e eventualmente tratam de estupra-las, mata-las e carboniza-las, como foi o caso. A isso chamamos – adivinha? – de feminicídio.

Mayara morreu porque era uma mulher. Porque, sendo mulher, se atreveu a debochar de um homem imbuído da ira de uma formação patriarcal.  O preço por debochar de um homem quase nunca é baixo.

Há, entretanto, quem sempre consiga defender o indefensável. Dirão, talvez, que o pobre coitado é doente. Atormentado.

Pode ser, mas o fato é que ele confessou não só o crime e a motivação sórdida, mas também sua tentativa calculista de livrar a própria cara: “Pus a culpa no Cachorrão para me livrar. Achava que se envolvesse outras pessoas, minha pena seria menor. Como ele já tinha passagem pela polícia, menti que ele fez tudo. Mas, se olharem as digitais no cabo do martelo, vão ver que são minhas.”

Não sei pra vocês, mas me parece bastante lúcido.

A cultura patriarcal assassina é, aliás, assustadoramente lúcida.

Mayara Amaral não foi morta porque se envolveu com o homem errado – qualquer homem pode ser o homem errado em uma cultura que endossa a violência contra a mulher – ela morreu porque não se calou. Em um ocidente gravemente acometido pela doença do moralismo cristão e patriarcal, querem-nos caladas ou mortas.

Quando o assassino justifica um crime bárbaro com um “tinha bebido e cheirado e tive uma ataque de fúria”, ele sabe que será perdoado: pela mídia, pela moral cristã e eventualmente pelo Poder Judiciário – Gilmar Mendes que o diga.