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Celso de Mello define como “perversa” proposta de Bolsonaro que visa controlar o STF

Ex-presidente do STF Celso de Mello. Foto: Reprodução

Nesta segunda-feira (10) o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, afirmou que a proposta mencionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) de aumentar o número de cadeiras da Corte, é um “movimento típico de períodos de exceção e autoritários”.

“Subjacente a essa modificação, visa-se, na realidade, perversa e inconstitucional finalidade de controlar o STF e de comprometer o grau de plena e necessária independência que os magistrados e os corpos judiciários devem possuir, em favor dos próprios jurisdicionados”, escreveu o ministro aposentado em nota enviada ao Metrópoles.

“A sociedade civil não convive com profanadores da ordem democrática nem com transgressores do princípio republicano , especialmente porque tem consciência de que , sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos verdadeiramente livres!”, completou o ministro.

Celso de Mello disse ainda que “vilipendiar a independência judicial” fere a separação entre os poderes da República, o que é inconstitucional. Ele afirmou que Bolsonaro, ao propor o aumento no número de ministros, está “servilmente” replicando o que fez a ditadura militar: “Vê-se, pelo noticiário que tem sido divulgado, que Bolsonaro pretende servilmente replicar o que fez a ditadura militar que governou o Brasil e que, pelo fato de achar-se investida de poderes excepcionais, ampliou a composição do STF, elevando-a, como anteriormente assinalado, com apoio no Ato Institucional n. 2/65, de 11 para 16 Ministros (mais cinco, portanto !)”.

O ministro finalizou o texto afirmando que “o povo de nosso país não se esqueceu dos abusos, indignidades, mortes e torturas perpetrados pelos curadores e agentes da ditadura militar que interrompeu, em 1º. de abril de 1964, o processo democrático que então vigorava, legitimamente, sob a égide da Constituição democrática de 1946″.

Leia abaixo a manifestação enviada por Celso à coluna do Metrópoles:

SOBRE O PRETENDIDO AUMENTO DA COMPOSIÇÃO NUMÉRICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

“A nossa experiência histórica tem revelado que a ideia de modificar a composição numérica do Supremo Tribunal Federal surgiu, no plano do constitucionalismo brasileiro, em períodos de exceção, sempre sob a égide de ordens autocráticas e sob o influxo de mentes autoritárias que buscavam, com tal expediente, sufocar a independência da Corte Suprema, que representa um dos pilares fundamentais em que se assenta o Estado democrático de Direito!

Assim ocorreu logo após a Revolução de 1930, quando, instaurado período de exceção regido pelo Decreto n. 19.398, de 11/11/1930 (qualificado por Afonso Arinos de Mello Franco como verdadeira “Constituição Provisória”), Getúlio Vargas, então Chefe do Governo Provisório da República, investido de poderes totais, alterou, por ato próprio, o número de Ministros do STF (eram 15 sob a Constituição Federal de 1891 , art. 56 ), reduzindo-o a 11 (Decreto n. 19.656, de 03/02/1931, art. 1o. ) e, por alegada contrariedade ao movimento tenentista, determinou a aposentadoria (e consequente afastamento definitivo da Corte) dos Ministros Pires e Albuquerque, Muniz Barreto, Pedro Mibielli, Godofredo Cunha, Geminiano da Franca e Pedro Joaquim dos Santos!

Em 27 de outubro de 1965, também em período de exceção, em plena ditadura militar, o Presidente Castello Branco, valendo-se do Ato Institucional n. 2, elevou o número de Ministros do STF, majorando-o de 11 para 16 Juízes!

A PRETENSÃO de Bolsonaro e de seus epígonos, objetivando alterar a composição numérica da Corte Suprema do Brasil, revela que, subjacente a essa modificação, visa-se, na realidade, perversa e inconstitucional finalidade de controlar o STF e de comprometer o grau de plena e necessária independência que os magistrados e os corpos judiciários devem possuir , em favor dos próprios jurisdicionados (seus reais destinatários), no Estado de Direito legitimado pela ordem democrática!!!

A sociedade civil NÃO convive com profanadores da ordem democrática nem com transgressores do princípio republicano, especialmente porque tem consciência de que, SEM juízes independentes, JAMAIS haverá cidadãos verdadeiramente livres!

AQUELES QUE VISAM tal objetivo precisam ser advertidos de que vilipendiar a independência judicial (um dos elementos configuradores do regime democrático) importa em ofensa manifesta ao postulado fundamental da separação de poderes, que representa limitação material explícita ao poder reformador do Congresso Nacional (Const. Federal, art. 60, $ 4o., III ), a significar que qualquer Emenda à Constituição que desrespeite tal princípio mostrar-se-á impregnada do vício gravíssimo da inconstitucionalidade!!!

NEM SE DIGA que, nos Estados Unidos da América, em 1937, Franklin Delano Roosevelt (FDR), após avassaladora vitória nas eleições presidenciais americanas de 1936 (“landslide reelection”), em processo eleitoral que o reconduziu ao cargo de Presidente dos Estados Unidos da América (foi sua primeira reeleição) , patrocinou , perante o Congresso dos EUA, um “Court-packing Plan” (também conhecido como “Court-packing Bill”), objetivando aumentar, com tal projeto, em até SEIS (6) novos Juízes, a composição da Suprema Corte daquele país (que possuía, então, como ainda hoje, NOVE Ministros designados “Justices”): um novo Juiz seria indicado (e posteriormente nomeado , após aprovação do Senado americano), até o limite de SEIS (6), o que culminaria por elevar a composição do Tribunal para 15 (quinze) juízes, sempre que qualquer dos “Justices” daquele Tribunal, após alcançada a idade de 70 anos, não se aposentasse nos seis (6) meses imediatamente subsequentes!

Essa proposição legislativa (desnecessária qualquer emenda à Constituição americana, pois esta, em seu Artigo III, Seção 1, não estabelece o número de “Justices” para a Suprema Corte daquele país, relegando a matéria ao plano da legislação ordinária), apoiada pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt (FDR), denominada “the Judicial Procedures Reform Bill of 1937”, além de fortemente criticada, inclusive pela própria Corte Suprema dos EUA (então presidida pelo Chief Justice Charles Evans Hughes), NÃO logrou aprovação congressual, havendo sido arquivada pelo Senado dos EUA por 70 votos a 22!

A razão dessa iniciativa de Roosevelt deveu-se ao fato de que as leis, resoluções e medidas por ele adotadas para implementar sua política do “New Deal” estavam sendo declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema americana!

VÊ-SE, pelo noticiário que tem sido divulgado, que BOLSONARO pretende servilmente replicar o que fez a ditadura militar que governou o Brasil e que, pelo fato de achar-se investida de poderes excepcionais, ampliou a composição do STF, elevando-a, como anteriormente assinalado, com apoio no Ato Institucional n. 2/65, de 11 para 16 Ministros (mais cinco, portanto!).

O atual Presidente da República, vale novamente enfatizar, ignorando os princípios nucleares da separação de poderes e da independência judicial, ambos protegidos por cláusulas pétreas (que limitam, materialmente, o poder reformador do Congresso Nacional), apoiaria proposta de emenda constitucional ampliadora da composição do STF!

ESSA INTENÇÃO de Bolsonaro traz-me à lembrança a advertência de KARL MARX, em seu “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte”, livro que escreveu em 1852, em fragmento constante do parágrafo introdutório dessa conhecida obra do pensador alemão, que se reveste de significativa importância para as Ciências Políticas e Sociais: “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes1. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (…) “!

A celebração da supremacia da Constituição há de representar, em sua dimensão política, gesto histórico (a) de inequívoco apoio da cidadania ao regime democrático , (b) de severa advertência ao Presidente Bolsonaro e aos seus seguidores de que não se tolerarão açōes ofensivas à institucionalidade e (c) de repulsa a comportamentos que transgridam os princípios estruturantes que informam e conferem substância ao Estado democrático de Direito!

O povo de nosso País não se esqueceu dos abusos, indignidades, mortes e torturas perpetrados pelos curadores e agentes da ditadura militar que interrompeu , em 1o. de abril de 1964, o processo democrático que então vigorava , legitimamente, sob a égide da Constituição democrática de 1946 !!!”.

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Caroline Saiter

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