Celso de Mello sabe que a História o espera na saída do STF. Por Moisés Mendes

Atualizado em 1 de outubro de 2020 às 7:14
Celso de Mello (Foto Ascom-STF)

Originalmente publicado em BLOG DO MOISÉS MENDES

Por Moisés Mendes

Há quem imagine que Celso de Mello antecipou o retorno ao Supremo, depois da licença médica, para ter tempo de limpar com calma as gavetas, despedir-se dos colegas e dos servidores e fazer um anúncio aos jornalistas.

Na porta, com as pastas sob o braço, o ministro diria que o processo sobre a suspeição de Sergio Moro é assunto para quem continua no STF, porque ele já está fora.

O roteiro é tão improvável quanto desrespeitoso com Celso de Mello. O ministro só tem duas alternativas nesse caso. A primeira é a mais óbvia: votar sem volteios pela suspeição.

Nessa primeira alternativa, Celso de Mello deixará a lição histórica da despedida de um sábio. Não será uma aula de firulas jurídicas, que qualquer jurista mediano poderia tricotear, muitas vezes para que a forma camufle o conteúdo precário.

A lição será de senso de História. Não senso de oportunidade de acordo com as circunstâncias, mas de História mesmo, de compromisso com a perenidade dos atos, mesmo que em um palco tão degradado.

Celso de Mello pode repetir tudo o que já foi dito sobre os desatinos de Sergio Moro na condução do processo do tríplex e de toda a Lava-Jato. Ele já subiu outras vezes cada degrau dos argumentos repetidos por outras vozes.

Poderá desqualificar sem muito esforço as ‘provas’ que levaram à condenação do ex-presidente. Poderá até inovar na abordagem dos erros e delitos de Moro e surpreender com algum aspecto que outros não tenham percebido.

Mas não terá o direito de ser circular e gongórico, para dizer que Moro errou, apontar os erros que não deveria ter cometido e concluir que suas falhas devem ser relevadas.

Celso de Mello não poderá discorrer sobre os desvios de Moro, em cada detalhe, para dizer ao final que, apesar do que todos sabem, seus descaminhos não são suficientes para levar à revogação das decisões do líder de uma operação que precisa ser preservada.

Por esse argumento circular, a Lava-Jato como missão, acima de tudo e de todos, salvaria Sergio Moro. Mas não há como tergiversar, não agora. Porque não é Moro quem está em julgamento.

São os atos de Moro e da sua turma, incluindo o Ministério Público que a ele se subordinava, e o que esses atos representaram como afronta ao Judiciário.

Não há como livrar a cara de Moro sem deixar intactas as sequelas de suas ações como juiz que investigava, acusava e punia. E que depois confirmou, por adesão formal, sua subserviência política ao mais desqualificado ajuntamento político formado desde a redemocratização do país.

Celso de Mello está diante da oportunidade histórica, sem outro exemplo em passado recente, de pegar o Judiciário pelo braço (e não só o Supremo) e puxá-lo do pântano em que foi atolado até o pescoço pelos homens da Lava-Jato e seus patrocinadores.

O decano tem a possibilidade única de resgatar a Justiça das mãos dos que fomentaram os atos de Moro, dentro e fora das instituições, para transformá-lo em justiceiro e aliado político sem escrúpulos, primeiro da direita e depois da extrema direita.

Celso de Mello tem a chance que ninguém teve em décadas de fazer a defesa da Corte que o acolheu por 31 anos e que andou desde 2015 a reboque da Lava-Jato. O ministro pode lavar a alma da Justiça.

Por essa primeira alternativa, seu voto será uma aula depois incorporada ao currículo de todas as universidades brasileiras.

Celso de Mello já tem o reconhecimento como um dos mais brilhantes magistrados do STF em todos os tempos. Mas falta essa aula.

Essa é a primeira alternativa, a da transformação do seu voto em uma escultura em bronze. A segunda é a do voto circular, que andará como uma piorra em volta de si mesmo e pode se esfarelar como um vaso de gesso.

Celso de Mello não pode ter voltado ao Supremo – e antecipado sua despedia em duas semanas – para dizer que tem desprezo pelas chances oferecidas pela História.

Um juiz qualquer, indeciso e ainda construindo sua carreira, poderia optar pelo voto rococó inconsequente. Um juiz vacilante cercaria Moro, expondo tudo o que fez de errado. Mas no último momento permitiria a absolvição de Moro e da Lava-Jato, porque o pito hermenêutico bastaria como punição.

Celso de Mello não é um juiz comum. A História sabe com quem está lidando. É a História que vai esperá-lo na saída, na porta do Supremo.