Celular do presidente vira crise institucional. Por Helena Chagas

Atualizado em 25 de maio de 2020 às 13:39

Publicado em Os Divergentes

O presidente Jair Bolsonaro fala ao telefone no Palácio do Planalto. Isac Nóbrega/PR

POR HELENA CHAGAS

São próximas de zero as chances de o procurador geral da República, Augusto Aras, acolher os pedidos das notícias-crime da oposição e pedir a apreensão do celular do presidente da República. Sem o requerimento dessa diligência por parte do Ministério Público, são – e sempre foram – para lá de remotas as chances de o ministro relator do inquérito que investiga a interferência de Jair Bolsonaro na PF, Celso de Mello, mandar buscar o celular de Bolsonaro lá no Alvorada para periciá-lo – ao menos nas atuais condições. A questão, porém, deixou o país no limiar de uma crise institucional.

Celso de Mello poderia, segundo políticos que transitam na Corte, ter esperado alguns dias para enviar o requerimento ao PGR – e não fazê-lo ao mesmo tempo em que liberava o polêmico vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Foi, porém, para lá de exagerada a reação do ministro chefe do GSI, Augusto Heleno, que emitiu nota ameaçadora afirmando que a apreensão do celular do presidente colocaria em risco a estabilidade do país. A temperatura subiu mais ainda quando o próprio Bolsonaro disse, em entrevista, que não cumpriria a ordem judicial de entregar seu telefone.

É gravíssimo um presidente da República dizer que não cumprirá uma ordem do STF – embora ela não exista ainda.Também inquietante foi o apoio do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, à nota de Heleno. Se não chancelou explicitamente o conteúdo, justificou, também em nota, sua emissão. E ainda se colocou ao lado de Bolsonaro, na tarde deste domingo, na terceira aglomeração do fim de semana.

A escaramuça em torno do celular presidencial não – apreendido tomou ares de crise institucional envolvendo os militares. E agora? Os militares da ativa estão mesmo, segundo sinalizou Azevedo, na linha radical do general Heleno? Entre os políticos, há quem duvide, mas o bom senso manda que os bombeiros entrem imediatamente em cena. O problema hoje é que o principal deles, o presidente do STF, Dias Toffoli, amigo de Azevedo, interlocutor de Bolsonaro e colega de Celso de Mello, está acamado.

Acima de tudo, o episódio mostra como os nervos da República andam à flor da pele, e o quanto o entorno militar de Bolsonaro se considera legitimado para agir na defesa do presidente num espaço que beira perigosamente o descumprimento a Constituição. Não cabe a um ministro do GSI fazer ameaças e tentar intimidar um ministro do STF. Assim como também não cabe a um ministro do STF, em respeito à independência entre os poderes, mandar buscar o celular do presidente sem uma situação muito clara que configure seu envolvimento em crimes graves. O que sobra disso tudo é uma enorme insegurança institucional.