A Polícia Federal investigava a família Sarney, em 2009, quando grampeou uma conversa de José, o patriarca, com uma neta. Sarney era o presidente do Senado.
O áudio da conversa, divulgado pelo Estadão, revelava um diálogo marcado pela ternura. A neta queria um emprego para o namorado.
Sarney reclamava da discrição e da timidez da moça, porque ela não teria encaminhado antes o pedido de emprego. Era o avô presente e poderoso, pronto para resolver a demanda da neta.
O namorado da moça foi empregado logo depois no Senado, e o grampo foi usado como prova de que Sarney sabia e participava de manobras ilegais do filho Fernando.
A repressão aos crimes ficou conhecida como Operação Boi Barrica. Envolvia a contratação de parentes e afilhados políticos da família por meio de atos secretos.
O Estadão foi censurado pela Justiça, por pressão dos Sarney, e não podia divulgar nada do pai e dos filhos (que também se envolveram com lavagem de dinheiro e formação de quadrilha), muito menos os áudios dos grampos. Ninguém sabe o que resultou daqueles rolos, talvez só a família.
Mas o Estadão ficou sob censura dos Sarney até 2018, porque o Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia dado ganho de causa em segunda instância. O jornal não podia invadir a privacidade do avô e dos netos.
O Estadão, talvez meio sem disposição para a briga, só foi recorrer mesmo ao Supremo em 2014. Em 2018, a censura foi derrubada, até porque a própria família maranhense havia desistido de manter a proibição.
Vale relembrar a história porque essa pode ter sido a mais longa censura imposta a um jornal depois da ditadura.
É a mesma situação enfrentada agora por Luis Nassif, do jornal GGN, em tempos de democracia relativa. Mas tem-se a impressão de que aquele caso dos Sarney, apesar de todos os delitos cometidos, era romântico demais perto dos crimes de dentro e de fora da política hoje.
O GGN não pode divulgar nada sobre ações suspeitas do Banco BTG Pactual, porque a coisa é pesada. Os rolos dos Sarney não passavam, na comparação com a bandidagem financeira de hoje e os crimes dos Bolsonaros, de uma chinelagem.
Eram coronéis, manipulavam a política, exploravam pobreza e miséria, traficavam influência, roubavam. Mas parece que não agiam como os ladrões de agora.
A censura imposta pelos Sarney, e aceita com resignação pelo Estadão, parece tão distante, como uma realidade esfumaçada de outros tempos.
Até porque o Estadão dava a entender que curtia a vida de censurado, para manter a fama de jornal que foi – e foi mesmo, a partir de 68, quando rompe com os ditadores –, perseguido pelos governantes.
A censura dos Sarney tentava esconder mutretas, quando agora o que a censura esconde é coisa de bilhões.
Na era dos banqueiros que se misturam aos milicianos no poder, dá uma certa saudade dos delitos e da censura do tempo dos coronéis.