Centro-esquerda precisa reconquistar eleitores, defende ex-ministro Janine Ribeiro. Por Eduardo Maretti

Atualizado em 1 de janeiro de 2020 às 17:36
Renato Janine Ribeiro. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente no site Rede Brasil Atual (RBA)

POR EDUARDO MARETTI

Em duro artigo assinado por Bruno Meyerfeld, publicado nesta segunda-feira (30), o diário francês Le Monde avalia o presidente Jair Bolsonaro como “oficial subalterno excluído do exército, deputado ultramarginal de extrema direita, zombado por seus pares por três décadas”. Segundo o jornal, o chefe de Estado brasileiro “não era de maneira alguma um homem de poder”. “E menos ainda um estadista.”

Para o Le Monde, em sua trajetória, “o capitão da reserva acusou o odiado ‘sistema’ com mais fúria e barulho do que qualquer outro líder do planeta: mentiras em série, comentários racistas e homofóbicos, piadas misóginas, delírios conspiratórios, elogios à tortura e à ditadura, insultos a líderes estrangeiros”.

O jornal faz um prognóstico sombrio. “Bolsonaro é o espelho da parte obscura do Brasil”, observa o artigo, e acrescenta: “O reinado de Jair Bolsonaro pode durar mais tempo do que pensamos”.

Para o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, o artigo avalia que “o Brasil lindo, trigueiro e acolhedor mostrou por trás da máscara um lado cheio de ódio, hostilidade e preconceito muito forte que não vai desaparecer, mas, por outro lado, indica um caminho, que é preciso enfrentar o ódio e combatê-lo”.

A tarefa não é fácil, segundo ele. “Há rachas no Brasil. Um, entre antipetistas e petistas, e outro racha entre antifascistas e bolsonaristas. Mas esses dois rachas não dialogam ou não coincidem,  porque uma parte importante é contra PT e contra Bolsonaro. E muita gente tapou o nariz para votar em Bolsonaro.”

A situação é complexa, em sua opinião, porque há três segmentos eleitorais no país: o segmento que vota e apoia Bolsonaro, de extrema-direita, que tem aproximadamente um terço dos eleitores; o segmento do PT e da centro-esquerda, aproximadamente com o mesmo percentual; e a direita, que é fraca em votos. “A direita é o terceiro terço, a terceira força, intermediária, que costumava pender para o PT, mas está vacinada contra a esquerda, contra a qual houve muita campanha.”

No espectro político, avalia, “a direita brasileira (representada por figuras como Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles) tem dinheiro, mas não tem voto”. “É algo típico do Brasil”, diz. Ele lembra que, com eleições livres, desde que Eurico Gaspar  Dutra foi eleito em 1945, a direita “jamais ganhou a eleição com pessoas que vêm de dentro dela”. “Os nomes que a direita emplacou como presidente são quatro: Jânio Quadros (1960), Fernando Collor (1989), Fernando Henrique (1994) e Bolsonaro (2018).”

Dos quatro, nenhum deles cresceu politicamente dentro de um partido orgânico, de direita. “Vieram como que de fora, e dos quatro só um é racional: Fernando Henrique. Os outros três não são racionais. Para ganhar as eleições, a direita geralmente tem que recorrer a pessoas muito irracionais.”

Diante desse ambiente complexo, avalia Janine, há espaço para a centro-esquerda crescer. “Mas não é PT sozinho. Tem que ser PT, PSB, PDT, talvez até (setores mais progressistas do) PSDB.”

Ações repressivas

Janine avalia como uma “boa notícia” a pesquisa Datafolha publicada nesta segunda-feira (30), segundo a qual 57% dos brasileiros consideram mais importantes os investimentos sociais e medidas que estimulem a criação de empregos para combater a violência do que ações repressivas. “A pesquisa indica que a ideia de resolver os problemas com segurança e medidas repressivas não têm tanta sustentação quanto se imagina”, diz.

Na opinião do filósofo, o levantamento, porém, mostra dados que revelam um cenário instável e aparentemente contraditório. Ele destaca o fato de que, segundo o Datafolha, o Nordeste (47%) é a região onde a população mais acredita que a solução do problema da violência está na adoção de medidas como investimento em aparato repressivo. No Sudeste, 35% dos entrevistados dizem que isso resolveria o problema.

Os dados são contraditórios porque, como mostram as últimas eleições, o Nordeste é a região mais esquerdista do Brasil, enquanto no Sudeste está o maior colégio eleitoral do país, incluindo São Paulo, que votou maciçamente em Bolsonaro.

Para ele, parece óbvio que a pesquisa revela a preocupação da população de uma região, o Nordeste, considerada a mais violenta do país. Por outro lado, no Sudeste, o fato de os eleitores se manifestarem a favor de investimentos sociais para combater a violência “não traduz votos para a esquerda, mas permite garimpar votos e uma outra consciência”. Ele destaca que não parece clara, para muita gente, a associação entre a esquerda e investimentos sociais que favoreçam a maioria da população.

Numa perspectiva da história recente, a partir de 2013, lembra, estabeleceu-se no país um cenário complexo. Naquele ano, as manifestações mostraram que grande parte da população “nasceu para a política”, no sentido de entender que a solução para os problemas está na política. “Mas infelizmente a direita se apropriou da bandeira.”

Depois disso aparecem as decepções. “Havia as expectativas de muita gente de que tirando a Dilma tudo ia ser ótimo, depois veio o Temer, Bolsonaro e as decepções.” No cenário atual, de um lado, há a expectativa sobre as soluções de força, de Bolsonaro, que é a violência, e de Moro, com uma visão repressiva da Justiça. Não são a mesma coisa, mas se aproximam.” Se Bolsonaro foi eleito e Moro aparece com grande prestígio junto à população, “por outro lado, a base do discurso deles está débil”, observa Janine sobre o levantamento do Datafolha.