Cessar-fogo sem justiça: como o acordo em Gaza mascara a ocupação contínua

Atualizado em 13 de outubro de 2025 às 22:32
Trump e Netanyahu no Knesset

O analista político Mouin Rabbani alerta que ainda não está claro se o cessar-fogo é o início ou o fim do conflito em Gaza. Ele adverte que Israel pode retomar sua ofensiva militar assim que recuperar seus cativos ou usar impasses nas negociações sobre governança e desarmamento para justificar a continuidade da ocupação de Gaza. Segundo ele, o desfecho dependerá fortemente das ações do governo de Donald Trump e de sua disposição política em sustentar o cessar-fogo.

Rabbani é um analista e comentarista holandês-palestino especializado no conflito israelo-palestino e nos assuntos do Oriente Médio contemporâneo.

O papel dos EUA e a determinação de Trump

Rabbani destaca que o verdadeiro poder está em Washington, e não em Israel, na Palestina ou nos países árabes. Ele lembra que o interesse anterior de Trump em um acordo israelo-palestino foi em grande parte simbólico, voltado à aparência mais do que ao conteúdo. A manutenção do cessar-fogo atual, portanto, depende de os Estados Unidos manterem o foco para além de ganhos diplomáticos imediatos.

A posição de Netanyahu e os governos ocidentais

Embora a opinião pública global tenha se voltado em grande parte contra Israel e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Rabbani observa que os governos ocidentais continuam cúmplices, por não adotarem medidas concretas como embargos de armas, suspensão da cooperação em inteligência ou proibição de produtos oriundos dos assentamentos. Ele denuncia a hipocrisia de permitir que um líder “procurado pela justiça internacional” viaje livremente por países que são membros do Tribunal Penal Internacional (TPI).

Reconstrução e responsabilidade

O analista critica os planos ocidentais de transferir aos países árabes o custo da reconstrução de Gaza, isentando Israel de qualquer responsabilidade pela destruição causada. Ele defende que a reconstrução deve estar vinculada a um roteiro político crível para encerrar a ocupação e estabelecer um Estado palestino com base nas fronteiras de 1967.

Estado palestino e dinâmicas em disputa

Rabbani enfatiza que a proposta de Trump e Netanyahu não reconhece o Estado palestino nem o direito à autodeterminação, limitando-se a “tomar nota” das aspirações palestinas. O acordo repete a lógica de Oslo, mas com expectativas políticas ainda menores, possivelmente aprisionando os palestinos em negociações intermináveis e improdutivas.

Ao mesmo tempo, um movimento global por responsabilização — por meio de ações legais, sanções e mobilização pública — vem ganhando força como contrapeso. Rabbani conclui que a pressão popular deve continuar, pois a verdadeira justiça e a mudança política só ocorrerão quando os governos passarem a agir conforme a vontade de seus cidadãos, e não em conivência com a impunidade contínua de Israel.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.