
A socióloga e professora Esther Solano tem 36 anos, é espanhola de Madri e fez importantes estudos sobre fenômenos políticos recentes no Brasil. Em 2014, ela publicou, com Bruno Paes Manso e William Novaes, o livro “Mascarados: a Verdadeira História dos Adeptos da Tática Black Bloc” em plena onda de protestos no final do primeiro mandato de Dilma Rousseff.
“O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil”, de 2018, é um livro que ela organizou no ano da eleição de Bolsonaro, depois de pesquisar o bolsonarismo nas periferias. No mesmo ano, ela organizou a obra “Luiz Inácio Luta da Silva. Nós Vimos Uma Prisão Impossível”, com Camilo Vannuchi e Aldo Zaiden.
No dia 22 de setembro, com a morte da jovem Ágatha Felix, Esther postou em seu perfil de Facebook que o “Complexo do Alemão votou majoritariamente em Witzel”. A pesquisadora disse também que a esquerda que pensa que “pobre de direita é burro” faz parte do problema que tomou conta do Brasil.
O DCM entrevistou a socióloga para entender suas pesquisas sobre bolsonarismo e a relação disso com o eleitorado do governador Wilson Witzel, que está comandando uma política homicida de polícia.
Diário do Centro do Mundo: Você organizou o Livro Ódio Como Política e pesquisou o bolsonarismo nas periferias. É possível ver fenômeno eleitoral similar do Witzel? Ou isso é algo das milícias?
Esther Solano: Sim, o mesmo fenômeno de Witzel na eleição do Rio é o que vimos na ascensão do Bolsonaro. É um perfil antissistêmico, contra o sistema e antipartidário.
O sujeito que se apresentou como de fora do sistema levou. Tem todo o sentido também o Witzel ter se apresentado como representante do Bolsonaro.
A bolsonarização extrapola a figura do próprio Bolsonaro.
Falando especificamente do Rio, também visualizamos os votos das comunidades evangélicas. Essas igrejas são vetores de socialização e, portanto, acabam sendo vetores de voto também.
DCM: Você detectou que o eleitor pobre da extrema direita é alguém que perdeu as esperanças na política tradicional. O extermínio de pobres pode fazer essas pessoas mudarem de percepção?
ES: Sobre esse tipo de eleitor, digo que existem dois perfis.
Um deles é um eleitor de extrema direita que tem uma imagem mais clara, com adesão muito grande ao Bolsonaro. Ele reconhece em si valores racistas, xenofóbicos e misóginos, intolerantes. Ele é movido pelo afeto do ódio. No entanto, esse perfil é uma minoria.
Tem outro tipo de eleitor, a grande maioria, que não pode ser classificado como de extrema direita. Ele votou nessa extrema direita, mas é movido por razões que estão muito mais ligadas ao voto de protesto, a questão antissistêmica e contra a política. É a frustração com o petismo. E há uma questão básica que são os valores conservadores.
Esse segundo perfil está muito presente na realidade brasileira e seus valores, como os religiosos. Trata-se de uma lógica conservadora.
DCM: Você vê relação entre o endurecimento das polícias e a queda de Bolsonaro no Ibope? Ou isso é sintoma do marasmo econômico?
ES: Não consigo te dizer se há uma relação direta entre a violência policial e a queda da avaliação do Bolsonaro. Não temos dados no Rio de Janeiro ainda para medir isso.
Fizemos agora uma pesquisa com os bolsonaristas arrependidos em São Paulo. Isso tem tudo a ver com uma avaliação negativa da violência de Bolsonaro e uma ideia de que ele não está conseguindo governar bem.
Seria um inapto para o cargo.
É incapaz de levar o governo dentro de uma crise econômica. Preciso pesquisar especificamente sobre a violência policial para te dar uma resposta mais precisa.
O que podemos dizer é que, na última pesquisa Vox Populi, é que na Segurança Pública o governo Bolsonaro tinha melhorado depois do combate à corrupção. Mas a percepção era pior no caso dos mais pobres.
DCM: Falta para as esquerdas algumas pesquisa que aprofundem o conhecimento sobre o eleitor de periferia?
ES: Sem dúvida que à esquerda institucional e partidária, inclusive a acadêmica, falta um estudo que entenda esse eleitor. O eleitor que votou no Lula e nos primeiros governos do PT tem uma grande distância de tempo em relação a quem votou agora. Os partidos, e sobretudo as cúpulas partidárias, estão muito distantes desse eleitor.
É necessário pesquisar alguns fatos específicos.
Por exemplo: qual o papel das igrejas evangélicas para esses eleitores? Também precisamos entender o papel do discurso meritocrático para essas pessoas. Há o discurso do empreendedorismo e do “homem batalhador”.
E precisamos entender a sociabilidade. Nas periferias, como ocorreu um governo de esquerda mais intelectualizado, o discurso é muito elitista.
DCM: Você disse que uma esquerda que pensa que “pobre de direita é burro” é parte do problema social. A esquerda se elitizou?
ES: Os governos se elitizaram e vieram com esse discurso do “pobre de direita é burro”. “O evangélico é um fanático fundamentalista”. Isso não só não ajuda.
Isso atrapalha a nossa análise. Nós, do campo da esquerda.
Você vê de fato que há componentes complexos. O voto do Complexo do Alemão no Wilson Witzel é algo que se encaixa nesse problema. É fácil falar “o povo não sabe votar”.
O problema real passa longe disso.