Chamem Marcos Pontes! Mourão está perdido no espaço. Por Fernando Brito

Atualizado em 10 de julho de 2020 às 11:55
General Mourão, vice de Bolsonaro, na GloboNews. Foto: Divulgação/Twitter

PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

Temos, afinal, um governo composto por cientistas!

Jair Bolsonaro descobriu a cura do coronavírus com a cloroquina; o General da Saúde, Pazuello, colocou o Nordeste no Hemisfério Norte e, agora, o vice-presidente Hamilton Mourão inventou os satélites de “órbita translacional” que só passam sobre um local da Terra, como nos solstícios, uma vez por ano.

Na coluna de Lauro Jardim, em O Globo, ele diz:

— Só no ano que vem, quando vai passar o satélite de novo, vamos poder comprovar que nossos esforços para reduzir o desmatamento na Amazônia surtiram efeito. Até lá, é conversa de bêbado: eles dizendo uma coisas e nós argumentando outras.

General, desde quando um satélite leva um ano para orbitar a Terra?

Nem o Phileas Fogg, fleumático cavalheiro inglês de Júlio Verne em seu A Volta ao Mundo em 80 Dias foi tão vagaroso assim!

Mourão deveria dar um telefonema para o ministro-astronauta, Marcos Pontes, que realizou 155 órbitas em sua missão espacial de 9 dias, 21 horas e 17 minutos.

Existem vários tipos de órbita, desde a geoestacionária até a heliossíncrona, à qual o general devia estar tentando se referir, que é a o CBERS, o satélite sinobrasileiro, posto a operar desde o ano passado. Ele “varre” uma grande faixa do território brasileiro , em 15 órbitas diárias e repete o ciclo orbital – repetição de faixas – em apenas 26 dias.

Para ajudar o general, vai a explicação sobre como isso funciona, feita pelo próprio INPE:

Entre outros fatores, na determinação da configuração de um sistema de imageamento há um que diz respeito ao horário do dia em que deverá ser efetuado o imageamento. Em geral, os satélites de sensoriamento remoto possuem órbita chamada heliossíncrona, ou seja, sincronizada com o Sol. Isso quer dizer que a cada órbita o satélite cruza a linha do Equador no mesmo horário. Esta característica de órbita é importante pois assim todas as imagens são sempre obtidas aproximadamente no mesmo horário, e as variações entre imagens podem ser atribuídas às propriedades intrínsecas dos alvos, e não a influências de posicionamento angular do sol.

Mesmo antes disso o Prodes (que usa satélites Landsat, dos EUA, com taxa de revisita da ordem de 15 a 20 dias) já fazia este controle de desmatamento e foi, no governo Lula, completado pelo Deter que passava sobre a mesma área a cada 5 dias (quando era feito por satélite da Nasa) e está passando, com a parceria Brasil-China, para 3 dias, com capacidade de detecção de 3 hectares de desmatamento, oito vezes mais detalhado que o Prodes.

Aliás, esta rapidez é a razão de ser do Deter: permitir que o governo brasileiro aja rapidamente contra ações de desmate ilegal, enquanto ele está acontecendo.

Ninguém está dizendo que é fácil monitorar o desmatamento na Amazônia. Certamente é bem mais difícil que – como diz Eduardo Bolsonaro – mandar um cabo e um soldado de jipe fecharem o Supremo.

Mas essa de ter de esperar um ano “o satélite passar de novo” para saber se estão pondo a floresta abaixo é um vexame, general.

Em tempo: enquanto escrevia, sai a notícia de que a área sob alerta de desmatamento em junho na Amazônia foi de 1.034,4 km² de , recorde para o mês em toda a série iniciada em 2015. No acumulado do semestre, os alertas indicam devastação em 3.069,57 km² da Amazônia, 25% a mais que no 1° semestre de 2019, segundo o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais . O aumento foi de 64% no acumulado dos últimos 11 meses e, ano passado todos lembram o quanto já tinha sido grande.