Chances de Moro ser nomeado para o STF deveriam ser próximas de zero. Por Cássio Casagrande

Atualizado em 21 de maio de 2019 às 8:11
Sérgio Moro. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O doutor em Ciência Política e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cássio Casagrande, abordou a questão de Sérgio Moro no Supremo no site Jota.

“O maior ‘ato falho’ cometido pelo ministro Sergio Moro até o momento ocorreu durante sua entrevista a um jornal português (Expresso, 23/04), no trecho em que ele declarou que ser indicado e escolhido ao Supremo Tribunal Federal (STF) equivaleria a ‘ganhar na loteria’. Ele parece estar ciente de que, em condições normais de temperatura e pressão, um operador do Direito com sua trajetória profissional deveria ter menos chances de chegar ao Supremo do que de ganhar na mega sena acumulada”.

“Não creio que os membros da Suprema Corte devam ser escolhidos exclusivamente dentre ‘juristas consagrados’. Por juristas consagrados entendo doutrinadores indisputados ou professores aclamados na sua plena maturidade intelectual. A Suprema Corte não é e nem deve ser uma academia celestial ou o uma morada de sábios do Olimpo”.

“Ela é, essencialmente, órgão de natureza política. Sua função precípua é enfrentar problemas legais complexos que afetam a vida do Estado e os direitos fundamentais dos cidadãos previstos na Constituição, para cuja resolução se exige ‘notável saber jurídico’, no qual deve estar compreendido, além de um amplo conhecimento do Direito, experiência de vida, de foro e, sobretudo, tirocínio histórico, político, social e econômico. Ou seja, um cabedal jurídico, cultural e existencial consistente”.

“É preciso, claro, que o ‘candidato’ a ministro tenha um conhecimento consistente e robusto sobre o mundo do Direito e da Justiça, mas também é igualmente importante uma compreensão sobre os principais problemas da administração pública e sobre os dramas históricos, políticos, sociais e econômicos do país. Esse tipo de ‘expertise’ não se adquire à toa. Ele pode, é claro, recair sobre um típico jurista, um professor de Direito. Mas também sobre um experimentado e reconhecido advogado, procurador do MP ou juiz. Ou, ainda, sobre alguém que, vindo do mundo do Direito, passou para a política e dela se tornou um veterano”.

“Aliás, não é raro que juízes constitucionais cumulem numa só carreira todas essas três trajetórias, sendo professores, operadores e ocupantes de cargos políticos, como por exemplo Gilmar Mendes no Brasil e Elena Kagan nos EUA. Portanto, as carreiras podem ser múltiplas e cumulativas, mas o que se espera de um candidato ao posto de juiz constitucional é que ele tenha se destacado em uma ou mais destas funções, ou seja, que seja um ‘grande professor’, um ‘grande advogado, juiz ou procurador’ ou um ‘grande político'”.

“Sergio Moro não é um jurista consagrado e, como professor, teve uma passagem bastante apagada e envolvida em controvérsia na UFPR. Como acadêmico, ele escreveu alguns poucos livros e artigos que têm certa relevância para um nicho muito específico de sua especialidade, o processo penal (crimes relativos à corrupção e lavagem de dinheiro). Mas isso, por si só, é claro, não transforma ninguém em um destacado doutrinador. Advogados, membros do MP e juízes costumam se especializar em um determinado assunto e escrever algo sobre ele, o que não os transforma, por si só, em aclamados doutrinadores. Para isso, a sua obra precisaria adquirir um alto grau de recepção e perenidade, o que, no caso, não passa de prematura suposição”.

“Moro foi de cara desautorizado pelo presidente ao indicar uma substituta de um conselho de terceiro escalão no seu ministério. O chefe do Executivo simplesmente ignora suas posições e ponderações em questões relativas à política de armas, tendo passado o vexame de assinar um decreto manifestamente ilegal e inconstitucional com o qual não concordava. Seu silêncio sobre as graves suspeitas de corrupção que envolvem a família presidencial parece constrangedor”.

“Em síntese, tudo que Sergio Moro pode exibir até o momento como relicário de uma carreira política é o fato nada auspicioso de ter sido humilhado e desmoralizado publicamente por um presidente da estatura de Jair Bolsonaro. Não parece ser essa uma experiência política valiosa, a credenciar o ministro para o cargo de juiz constitucional. Muito pelo contrário, eu diria”.

“Portanto, se confirmada, a ida de Moro ao STF será uma das mais exóticas na história da corte. Ou, se preferirem, e nas palavras do próprio, algo tão improvável quanto ganhar na loteria. Mas às vezes acontece, para a sorte do ganhador e azar de todos os demais, que ficam um pouco mais pobres”.