Chega a comover a insistência de Pondé em querer dialogar consigo mesmo. Por Gustavo Conde

Atualizado em 8 de janeiro de 2018 às 22:49
Filósofo e gato

POR GUSTAVO CONDE, músico, linguista e professor

Eu li o Pondé de hoje com todo o cuidado, tentando entender, de fato, o que ele tenta dizer. Li como se eu não o conhecesse.

E ele tenta dizer alguma coisa. Diria: ele “tem” uma tese. Mas esta tese é baseada em pressupostos que ele mesmo postula como simulacro do seu outro: a esquerda, o feminismo, o progressismo.

Eu me lembro da professora de filosofia da PUC e da Unicamp Jeanne Marie Gagnebin – num curso memorável sobre Paul Ricoer, um dos maiores filósofos franceses do pós guerra – apresentar-nos um texto do Pondé com um comentário: “ele não é interessante?”

Esse é o tratamento de Pondé no mundo acadêmico (que ele tanto despreza): ele é exótico – para não dizer estranho, problemático.

Textos de Pondé são mais corpora que referência. Pondé é um estudo de caso, ele mesmo.

O mais grave, no entanto, em se tratando de sua dicção, é a incapacidade de lidar com desdobramentos enunciativos. Ele lê um enunciado como “todo ato heterosseuxal é uma forma de estupro” ou “miscigenação é genocídio” fora de seu contexto de emergência.

Isso é um déficit gravíssimo de leitura. Ele reduz à lógica algo que tem natureza retórica e histórica. E fica indignado com sua própria incapacidade de entender tais enunciados, projetando sua frustração em quem os produz.

Os enunciados acima são complexos. São intertextuais por essência. Não podem ser lidos isoladamente. Utilizam-se da força ilocutória da linguagem para, justamente, provocar o debate. Não são enunciados cientificos.

Chega a comover a insistência de Pondé em querer dialogar consigo mesmo e sequer se ouvir. Mas, há algo ainda mais interessante: sua deficiência de leitura é a deficiência tradicional do leitor assíduo da Folha de S.Paulo ou do Estadão.

Eles não sabem contextualizar enunciados. Por isso são facilmente manipulados pelas narrativas simplistas da imprensa.

Esse traço também é comum aos procuradores e juízes da Lava Jato. Não sabem ler. Ficam limitados às próprias convicções para redigirem seus textos.

Não é à toa que o filósofo Euclides Mance publicou um livro inteiro sobre as falácias de Moro. Do ponto de vista lógico, Moros, Dallagnóis e Pondés são relatos de caso, nada mais.

Ler não é apenas codificar letras e palavras. Ler é fazer uma série de operações complexas e simultâneas. Um frase simples com sujeito, verbo e objeto provoca – e demanda – um acontecimento cognitivo.

São cruzamentos memoriais, intertextualidades, desdobramentos enunciativos, competências pragmáticas, morfológicas, sintáticas e gramaticais, projeções, antecipações, filtragens, multivocalidades, enfim, um sem-número de processos cognitivos, técnicos e da ordem do sensível.

O universo acadêmico, nesse sentido, impõe que se qualifique a leitura e, consequentemente, a escrita, minimamente.

A escrita errática de Pondé, mais que um sintoma dele mesmo e de certo segmento leitor, é um exemplo vivo da interdição que tomou conta do debate brasileiro. Dali, nada se formula, nada se cria, nada se viabiliza.