Publicado originalmente no Unisinos.
POR VITO MANCUSO
Sabe-se lá como o papa vai responder à carta que lhe foi dirigida por 26 mulheres que (assim se apresentaram) “estão vivendo, viveram ou gostariam de viver uma relação amorosa com um sacerdote, do qual estão apaixonadas”. Ignorá-la não é do seu feitio, telefonar para cada signatária individual é pesado demais. Penso que ele não tem outro caminho que escrever, por sua vez, um texto. Assim, teremos a primeira epistula de coelibato presbyterorum endereçada por um papa a figuras que, até pouco tempo atrás na Igreja, eram chamadas, sem muitos eufemismos, de concubinas…
Dos fragmentos da carta divulgados na imprensa, revela-se que as autoras quiseram apresentar o “sofrimento devastador ao qual é submetida uma mulher que vive com um padre a forte experiência do enamoramento”. O seu objetivo, escrevem ao papa, foi o de “pôr com humildade aos teus pés o nosso sofrimento, para que algo possa mudar não só para nós, mas também pelo bem de toda a Igreja”. Eis o que está em jogo, o bem da Igreja.
A atual lei eclesiástica que liga obrigatoriamente o sacerdócio ao celibato favorece o bem da Igreja? Olhando para os 2.000 anos do catolicismo, descobrimos que, no primeiro, o celibato dos padres não era obrigatório (“até 1100, havia quem o aconselhasse e quem não”, escrevia o cardeal Bergoglio).
Enquanto ele se tornou obrigatório no segundo com base em dois motivos: 1) a progressiva avaliação negativa da sexualidade, cujo exercício era considerado indigno para os ministros do sagrado; 2) a possibilidade para as hierarquias de controlar melhor homens privados de família e de consequentes complicadas questões de herança.
Assim, o padre católico do segundo milênio tornou-se cada vez mais semelhante ao monge. Trata-se, porém, de duas identidades totalmente diferentes. Uma coisa é o monge, cujo voto de castidade é constitutivo do código genético, porque quer viver a sós com Deus (como já diz o termo monge, do grego mónos, sozinho, solitário); outra conta é o ministro da Igreja que determina a sua vida no serviço à comunidade.
O padre (diminutivo de presbítero, isto é, “mais ancião”) existe em função da comunidade, da qual ele é chamado a ser “o mais ancião”, ou seja, aquele que a guia por ser dotado de maior sabedoria e experiência de vida.
Ora, a questão é: a celibatização forçada favorece tal sabedoria e tal experiência? Quando os padres célibes falam da família, do sexo, dos filhos e de todos os outros problemas da vida afetiva, de que experiência dispõem?
Respondo com base na minha experiência: alguns sacerdotes dispõem de muitíssima experiência, porque o celibato lhes permite o conhecimento de muitas famílias; outros, de pouquíssima ou de nada, porque o celibato os faz se fecharem às relações em uma vida solitária e fria. Resulta daí que o celibato tem valor positivo para alguns, negativo para outros e, portanto, deve ser deixado, como no primeiro milênio, à livre escolha da consciência.
Além disso, deve-se ressaltar que a qualidade da vida espiritual não depende para todos da abstinência sexual e menos do que nunca do fato de ser desprovido de família. Basta pensar que quase todos os apóstolos eram casados, e que o Novo Testamento prevê explicitamente o matrimônio dos presbíteros (cf. Tito 1, 6).
Se, depois, olharmos para a nossa época, vemos que verdadeiros gigantes da fé, como Pavel Florensky, Sergei Bulgakov, Karl Barth, Paul Tillich eram casados.
Se os nazistas não o tivessem enforcado, até Dietrich Bonhoeffer teria se casado, e Etty Hillesum, uma das mais radiantes figuras da mística feminina contemporânea, teve uma vida sexual muito intensa. Até mesmo Raimon Panikkar, sacerdote católico, um dos maiores teólogos do século XX, casou-se civilmente, sem que a Igreja nunca retirasse a sua função sacerdotal.
“Não é bom que o homem esteja só”, declara o Gênesis 2, 18. Mas Jesus fala de “eunucos que se tornaram tais para o reino dos céus” (Mateus 19, 12). A experiência bimilenar da Igreja Católica se desenvolveu entre essas duas afirmações bíblicas, privilegiando para os padres ora uma, ora outra. Mas acho que ninguém pode defender que o primeiro milênio cristão desprovido de celibato obrigatório foi inferior ao segundo.
Hoje, com o início do terceiro milênio, penso que chegou o momento de integrar as experiências dos dois milênios anteriores e de fazer com que aqueles padres que vivem histórias de amor clandestinas (que são mais de 26) possam ter a possibilidade de sair à luz do sol, continuando a servir as comunidades eclesiais às quais eles vincularam as suas vidas. A sua “ancianidade” não poderá senão se beneficiar com isso.
Depois, há os muitos milhares de padres que deixaram o ministério por amor a uma mulher (mas que continuam sendo padres por toda a vida, porque o sacramento é indelével) e que poderiam voltar a dedicar a vida à missão presbiteral, marcados por tanta e sofrida ancianidade.