Chico não merece a estupidez do ‘Rei do Palco’. Por Nathalí Macedo

Mundos de distäncia: Chico e Botelho

O ator Cláudio Botelho escancarou, a plenos pulmões, o racismo e o fascismo que nós temos conhecido bem.

O “rei do palco”, como ele mesmo se autodefiniu, interrompeu o espetáculo “Todos os musicais de Chico Buarque” para proferir as frases clichês e sem criatividade repetidas fervorosa e mecanicamente nos protestos pró-golpe: FORA DILMA, FORA LULA!

A plateia, que certamente só buscava entretenimento sadio em meio à tensa situação política que temos vivido, reagiu com gritos de “Não vai ter golpe!”. Alguns simplesmente retiraram-se.

O ator, indignado por não ter tido a própria ignorância política endossada por sua plateia, disse: “O artista no palco é um rei! Não pode ser peitado! Não pode ser interrompido por um nego, por um filho da puta!”

O tiro saiu pela culatra. E a indignação abriu as portas para que o racismo e o ódio gratuito fossem extravasados. Vergonha alheia para mim e para todos os verdadeiros atores, creio.

Botelho levou a sério demais a máxima de que é o ator quem faz o espetáculo, e não o personagem. Resolveu, sob este pretexto, destilar a própria alienação num teatro lotado – lotado, aliás, de espectadores que pagaram até $100 para assistirem a um musical sobre Chico Buarque de Holanda.

Não foi a defesa de um posicionamento político no palco que me incomodou, mesmo porque os artistas – veja bem, os verdadeiros artistas – têm um papel importante em todos os processos políticos.

O que quase chega a ser patético é proferir no palco, este espaço sagrado, uma frase tão clichê, tão vazia de ideologia, tão fervorosamente repetida por fascistas nas ruas. O que dói, na verdade, é perceber que nem os teatros estão a salvo da ignorância, da violência, da alienação. Dói ver que não basta desligar a TV: o fascismo – e o racismo, neste caso específico – te esperam onde quer que você vá.

Tenho muito orgulho de ter feito teatro. Encontrei, na coxia, gente politizada, a favor das liberdades, da expressão artística livre, de um país verdadeiramente mais justo. Encontrei gente que tem orgulho de ser o que é e que me ajudou a construir quem sou. E, sobretudo, encontrei resistência: resistência à inatividade artística e à alienação global, resistência aos ataques à democracia, resistência a todas as formas de preconceito e desamor.

É isso que o teatro sempre representou pra mim e por isso – principalmente por isso – é triste acordar e saber que há um ator fascista e racista usando a arte para um objetivo tão mesquinho.

Preciso saber em qual escola de teatro Cláudio Botelho estudou (para passar bem longe, é claro).

Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Nathalí Macedo

Recent Posts

Porto Alegre (RS) não investiu um centavo contra enchentes em 2023

A Prefeitura de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, não investiu um centavo de…

55 minutos ago

Águas contaminadas podem causar surto de dengue e doenças com risco de morte no RS

O surto de chuvas no Rio Grande do Sul está causando preocupações significativas em relação…

1 hora ago

Nível dos rios no RS só vai normalizar no final de maio; entenda

A previsão para os próximos dias no Rio Grande do Sul (RS) mostra que a…

2 horas ago

Filha de Michelle Bolsonaro divulga conta pessoal ao pedir Pix para o RS

Letícia Firmo, filha mais velha da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), está incentivando internautas no Instagram…

8 horas ago

A extrema direita viciada em PIX age até em catástrofes. Por Moisés Mendes

Admito que demorei a acreditar que o coronel Zucco, deputado federal gaúcho que presidiu a…

9 horas ago

Lula assina decreto para acelerar reconstrução do Rio Grande do Sul

Publicado originalmente por Brasil de Fato O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou e…

10 horas ago