Chioro: Crise está subestimada. País tem mais de 800 mil casos de Covid-19

Atualizado em 30 de abril de 2020 às 0:03
Arthur Chioro foi ministro da Saúde no governo Dilma- Foto: Agência Brasil

DO PT

O ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, que ocupou a pasta no governo Dilma, alertou nesta quarta-feira (29) que a crise epidemiológica brasileira está se agravando por conta da irresponsabilidade do presidente Jair Bolsonaro. O número de mortos pode chegar a 1 milhão de pessoas nos próximos meses, diante da possibilidade de relaxamento da quarentena que vem acontecendo. “Viveremos ainda cenas muito trágicas no país, dada a negligência, a irresponsabilidade e a conduta criminosa do governo federal”, denunciou.

Médico sanitarista, o ex-ministro condenou a estratégia de enfrentamento do governo Bolsonaro, que não promoveu testes amplos quando era possível, no início da pandemia. Agora, o país não tem dados precisos sobre a contaminação. “A subnotificação mascara a realidade: o número de contagiados é muito maior do que os dados oficiais, com a taxa de mortalidade atingindo 7%”, advertiu Chioro. “Os casos considerados leves, assintomáticos e que representam 85% não estão contidos entre os casos confirmados”. Ele recomenda que não se afrouxe o distanciamento social para evitar uma explosão ainda maior de casos.

Chioro estima que o país tenha hoje entre 800 mil e 1 milhão de brasileiros infectados pelo Covid-19. Ele responsabilizou a gestão de Henrique Mandetta pela não realização de testes em massa, limitando o foco a casos graves. O Brasil fez apenas 339.552 testes, o que dá 1.597 para cada milhão de habitantes. Em Portugal, são 37.223 testes por milhão de pessoas. “Não checamos ainda ao pico do contágio”, destacou. “Estamos ainda no início, na 18ª semana de contágio e o pico será na 24ª semana, no final de maio e começo de junho” (veja quadro). Se não houver um isolamento severo, o número de óbitos pode superar 1 milhão de casos.

O diagnóstico foi feito pelo ex-ministro ao Diretório Nacional do PT, por videoconferência, na manhã de quarta-feira (29), num encontro virtual que contou ainda com a presença dos ex-ministros da Saúde José Gomes Temporão, Humberto Costa e Alexandre Padillha, além dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Quadro comparativo

Temporão concordou com a análise de cenário de Chioro, e lembrou que o número de óbitos dobra a cada cinco dias, enquanto nos Estados Unidos, Espanha e Itália, dobrava a cada seis dias. “O mês de maio vai ser dramático”, alertou, para advertir, em seguida: “A disseminação vai afetar mais diretamente os mais pobres”.

Temporão também denunciou o processo de interiorização da pandemia. “Os municípios com população entre 50 mil e 100 mil habitantes, 80% das cidades já têm casos confirmados de Covid-19”, disse. “À medida que a doença vai se instalando em municípios menores, a demanda para as regiões pólo vai aumentar cada vez mais, ampliando a pressão da rede pública de saúde. “Não há outra saída, diante da falta de vacina e remédio, que  manter o isolamento social”, recomendou o ex-ministro da Saúde.

Uma eventual saída do confinamento – que ainda vai demorar a ocorrer – obedeceria a quatro critérios, de acordo com Temporão: 1) evidências epidemiológicas que mostram uma queda sustentada do número de óbitos e de casos confirmados; 2) pelo menos entre 30% e 50% de leitos de UTI instalados em cidades-pólo com ociosidade, assim como respiradores; 3) ampliação da testagem da população; e 4) uso de máscaras para todos. “A abertura será gradual, por etapas, por setores de atividade econômica e, se isso não for planejado de maneira consistente, ouvindo a ciência, podemos ter um rebote, um novo ciclo e um novo surto da doença”, avalia o ex-ministro.

“Infelizmente, estamos vivendo no tempo da incerteza”, diz Temporão, que atuou como ministro da Saúde no governo Lula. “Não teremos tão cedo uma vacina e um medicamento”. O ministro chamou Bolsonaro de irresponsável, que todos os dias se presta a desautorizar e desdizer as recomendações das autoridades sanitárias, incluindo da Organização Mundial de Saúde (OMS). A construção de outra infraestrutura de controle da pandemia – formada por prefeituras, governos estaduais e o Consórcio do Nordeste – mereceu elogios de Temporão.

Ele defendeu o realinhamento estratégico do país para retomar a o protagonismo da indústria farmacêutica, inclusive para a produção de vacinas, equipamentos e outros medicamentos. “É impossível pensar em enfrentar esse quadro sem um Estado forte, com capacidade de liderar o país e de implementar políticas para proteger a sociedade”, disse.

“Precisamos de ciência e de um SUS forte, além de uma nova política econômica que ampare as pessoas, mas os R$ 600 do auxílio emergencial é absolutamente insuficiente”, ressaltou Temporão. “Essa crise desnuda o futuro e nos coloca um desafio: a questão da desigualdade”, disse. “O vírus não é democrático. Está afetando e vai matar os mais frágeis, como nos Estados Unidos, onde negros e latinos são os mais afetados”, advertiu. “Aqui, os mais pobres e que vivem na periferia vão sofrer mais”.