Choro, tensão e odor de ovo: um músico do casamento da deputada Maria Victória conta o que viu

Atualizado em 20 de julho de 2017 às 8:26
A deputada Maria Victória é consolada pelo pai, o ministro Ricardo Barros

Por Marcos Danhoni, professor titular da Universidade Estadual de Maringá e autor do livro “Do Infinito, do Mínimo e da Inquisição em Giordano Bruno”, entre outras obras.

No artigo anterior, narrei episódios ocorridos no casamento de Maria Victoria Barros, filha do ministro investigado Ricardo Barros.

No texto que ora se apresenta, descreverei o que se passou no interior da Igreja do Rosário, durante a cerimônia.

O relato é de um dos músicos que foi contratado para tocar lá. Ele e mais 14 colegas compuseram a “orquestra” encarregada de entoar as músicas e a marcha nupcial.

Foram levados de Maringá a Curitiba de van, mas com poucas informações de onde se apresentariam. Receberiam 250 (duzentos e cinquenta) reais pelo trabalho. Só descobriram a verdade chegando à igreja.

Os músicos foram “doados” como presente de um dos convidados, lacaio da família Barros e “dono” de uma faculdade (que ele insiste em chamar de universidade), que possui uma espécie de “filarmônica”.

O músico que me passou as informações narrou-me que já na entrada o clima era tenso, pois a multidão de cidadãos irados com a ostentação do matrimônio começava a se adensar.

Lá dentro, mesmo a portas fechadas, ouviam-se claramente os gritos de guerra: “Maria Camburão” (referência à chegada de Maria Victoria e os demais deputados da base de Richa num camburão da Polícia a mando de Fracischini para votar, como gado, contra a previdência dos funcionários públicos estaduais), “Chega de corrupção”, entre outros cânticos de protesto.

O maestro pediu que os músicos tocassem com mais ímpeto para tentar abafar os gritos, mas sem sucesso.

Deveriam tocar pela hora e meia que deveria ter durado a cerimônia: ficaram, no entanto, cinco horas.

Perceberam o quão complicada era a situação pela face da noiva, que mexia nervosamente os maxilares e chorou inúmeras vezes pensando na enrascada da situação em que havia se metido.

O músico descreveu que Maria Victoria e o nubente, assim como o ministro Ricardo Barros, foram os primeiros a se evadirem do local.

Ao olhar para a ovada sobre pai e filha, um grupo que estava disposto a seguir o plano original, de se dirigir à pé da Igreja ao Palácio Garibaldi, recuou imediatamente.

A orquestra se pôs a tocar novamente.

O músico que me contou essa história disse que seus colegas se entreolharam e lembraram da cena final de “Titanic”, quando a orquestra continuou a tocar até o mais amargo fim.

O bolo de casamento com o “brasão” da família

Um amigo assobiou baixinho até a clássica música tema, imortalizada na voz de Céline Dion, para tentar quebrar o clima plúmbeo. No entanto, isso deixou a todos ainda mais nervosos.

Num certo momento, um dos convidados teve um rompante, subiu num dos bancos da igreja e disse: “Amigos, temos que ter coragem e sair caminhando até o palácio! Não devemos nos vergar ao povo!”.

Muitos o desaprovaram, mas uns poucos o apoiaram e efetivamente saíram. Um deles quase escorregou no chão melado de claras e gemas. Ao saírem, foram fuzilados por ovos e sacos de lixo e retornaram.

As horas passaram demoradamente, prolongando uma agonia que os músicos não esperavam. As vans salvadoras chegaram tarde demais.

A polícia apareceu primeiro e incentivou a aristocracia a caminhar as centenas de metros que distam a igreja do palácio.

Com relutância, como os náufragos da primeira classe do Titanic, os convidados foram saindo.

A cada lufada de ar que entrava quando as portas eram abertas, a pestilência do cheiro de ovos e chorume de sacos de lixo invadia o espaço.

Os músicos continuavam a tocar à medida que o lugar esvaziava lentamente. Alguns choravam.

Após o último convidado sair, eles guardaram seus instrumentos, com ouvidos atentos sobre a massa sônica fora do templo.

Desceram do mezanino, abriram a porta e puderam ver a multidão se dirigindo ávida para o Palácio Garibaldi.

A visão foi de alivio, como aquela cena de Titanic em que alguns dos passageiros da terceira classe conseguem, enfim, chegar aos botes salva-vidas.

Respiraram um ar de República num episódio histórico que marcará a nação — e que os guindou à sobrevivência de um ato que não os fez mergulhar nas profundezas em que o país foi afogado.

https://www.youtube.com/watch?v=Jz3bgD7rNZQ