Círculo mais próximo de Trump crê que ele foi eleito ditador e trabalha nesse sentido

Atualizado em 28 de março de 2025 às 15:51
Donald Trump e, ao fundo, Stephen Miller

O grupo mais próximo de Donald Trump nunca escondeu seu projeto autoritário. A teoria do “executivo unitário” — defendida por muitos aliados — já indicava que Trump queria controle total sobre o Executivo. Na sequência, sua equipe passou a atropelar o Congresso e confrontar o Judiciário.

O Departamento de Orçamento e Gestão passou a sufocar a máquina pública, dificultando o cumprimento de leis, enquanto o diretor do Escritório de Administração e Orçamento da Casa Branca, Russell Vought, prega o direito de o presidente barrar gastos aprovados pelos parlamentares, contrariando o que diz a Constituição.

Contra o Judiciário, os ataques se intensificam. Juízes federais têm sido alvos constantes de ameaças, apenas por exercerem a função de revisar atos do Executivo — algo garantido desde 1803.

Alguns conselheiros de Trump acreditam que ele foi eleito para liderar uma revolução contra a ordem institucional. Em uma entrevista recente à Fox News, Stephen Miller, vice-chefe de políticas, falou que “um presidente é eleito por todo o povo americano. Ele é o único cargo em todo o governo eleito por toda a nação, certo? Juízes são nomeados. Membros do Congresso são eleitos por distritos ou estados”.

“A Constituição, no Artigo II, tem a chamada Cláusula de Investidura. E ela diz que o poder executivo será investido em um presidente, no singular. A vontade inteira da democracia está incorporada no presidente eleito. Esse presidente então nomeia sua equipe para impor essa vontade democrática ao governo”, declarou.

Aos 39 anos, Miller está ligado ao movimento Make America Great Again desde a campanha de 2016, quando ainda não tinha completado 35 — primeiro como redator dos discursos, depois como arquiteto das duras políticas anti-imigração do governo.

Em 2025, retomou sua influência nos bastidores sem precisar de cargo com aprovação do Senado. A fala evidencia o projeto autoritário do grupo: defender que 49,9% dos votos autorizam um poder absoluto é um argumento inédito — e perigoso. Não por acaso, os aliados de Trump tentam inflar o tamanho da vitória eleitoral para justificar um “mandato” que nunca existiu.

Russell Vought sustenta há tempos que os Estados Unidos vivem uma era “pós-constitucional”, em que só medidas radicais do presidente poderiam resgatar o modelo de governo limitado imaginado pelos fundadores. Em uma análise aprofundada de suas declarações, o professor Thomas Zimmer, da Universidade de Georgetown, resumiu a lógica por trás da expansão agressiva do poder presidencial.

“Vought está convencido de que os Estados Unidos enfrentam uma ameaça existencial — uma situação que ele comparou a 1776 e 1860: uma (contra-) revolução e uma guerra total, isso é o que a América deve enfrentar se quiser sobreviver. O que dá esperança a Vought é sua devoção a Donald Trump, ‘único capaz de exercer esse papel’ como líder dessa contraofensiva revolucionária contra as forças malignas do ‘esquerdismo antinatural’. Literalmente, nas palavras de Vought, ‘um presente de Deus’”, escreve.

Trump abraça esse papel. Já disse que “quem salva o país não viola nenhuma lei” e que o Artigo II da Constituição lhe dá “direito de fazer o que quiser como presidente”. Seu ego fora de escala virou ferramenta de um projeto autoritário.

Nesse cenário, os recentes ataques às instituições ganham coerência — e assustam. Como escreveu David French, colunista do New York Times, o Judiciário é hoje o principal obstáculo ao poder total de Trump. “Republicanos no Congresso servem a Trump. Mas o Judiciário sabe seu papel”, afirmou.

Em discurso antes de entrar na Suprema Corte, o juiz Brett Kavanaugh resumiu bem: “A principal proteção da liberdade individual vem da separação de poderes — legislar, executar e julgar.” A dúvida é se ele lembrará disso quando for chamado a decidir até onde o presidente pode ir.