Ciro Gomes, Cuba e os gusanos. Por Valter Pomar

Atualizado em 18 de julho de 2021 às 18:54

Publicado originalmente no blog do autor

Por Valter Pomar

Ciro Gomes. Foto: Reprodução/Twitter

Recomendo a quem tiver estômago fraco evitar o vídeo de 4 minutos em que Ciro Gomes fala sobre Cuba e a política externa brasileira.

Ciro abre o vídeo afirmando que “nosso querido povo cubano está sofrendo. Existem duas bombas-relógio armadas há muito tempo sobre este povo valoroso. Uma é o bloqueio econômico. Outra é a ditadura política.”

Como spoiler é proibido pela Convenção de Genebra, me limito ao seguinte: ao contabilizar o tempo dedicado a cada tema, evidencia-se que o objetivo real do vídeo é atacar a política externa do PT, através de um ataque ao governo cubano. A política externa de Bolsonaro e a agressão dos Estados Unidos são coadjuvantes.

Politicamente falando, portanto, o vídeo é uma peça de campanha eleitoral de quem ambiciona ser a terceira via nas eleições presidenciais brasileiros. Mas este vídeo de Ciro Gomes mostra que ele sua opção política não tem limites nem fronteiras. Explico.

Ciro sabe que a situação de Cuba é difícil. Colônia espanhola até o final do século XIX, depois protetorado ianque, depois ditadura cruel e paraíso das máfias, Cuba só se tornou uma nação independente graças ao triunfo da revolução de 1959, que a pressão das massas e a sabotagem do imperialismo empurraram em direção ao socialismo.

Em Cuba, a soberania nacional é inseparável do socialismo: se um cair, o outro cairá. E como o socialismo cubano estava intimamente vinculado ao soviético, depois de dezembro de 1991 nove em cada dez analistas previam que a “ditadura” cubana cairia.

Mas não caiu. Sobreviveu com imensas dificuldades, sobreviveu a muitos de seus inimigos e sobreviveu a seus próprios erros, que tanto Fidel quanto Raul Castro reconheceram inúmeras vezes.

Vai continuar sobrevivendo? Ninguém sabe. A URSS já nos demonstrou que o pior pode acontecer. E nesse momento a situação em Cuba é particularmente difícil, entre outros motivos porque o acirramento do bloqueio criminoso dos EUA se dá em meio a pandemia, que além dos efeitos sanitários, afeta as poucas fontes de divisas de Cuba, sem as quais a Ilha não consegue comprar produtos básicos, afetando da alimentação ao fornecimento de energia elétrica. E tudo isso incide sobre um país no qual estão em curso, já há alguns anos, um conjunto de reformas econômicas e sociais patrocinadas pelo governo exatamente para tentar superar – na medida em que isso é possível numa pequena ilha tão perto de Washington – problemas estruturais do socialismo cubano.

Em qualquer país do mundo uma situação dessas provocaria conflitos sociais. Em qualquer país do mundo este conflito produziria choques entre o governo e setores da população. Não importando se quem governa é de esquerda, de direita ou um ornitorrinco.

Podemos divergir sobre o tamanho dos conflitos ocorridos em Cuba, sobre a resposta do governo, sobre o papel relativo dos EUA e dos problemas acumulados há décadas. O que não se pode nunca perder de vista é a assimetria das forças e das intenções envolvidas.

Cuba não ameaça a vida do povo dos EUA, Cuba não trabalha dia e noite para derrubar o governo dos EUA. Já o criminoso bloqueio visa exatamente isso: sufocar Cuba, desesperar o povo cubano, produzir conflitos e no limite tentar derrubar aquilo que Biden, Bolsonaro e Ciro chamam de “ditadura”.

O que está em jogo, portanto, é a soberania nacional cubana. Sem a qual não será possível nenhum tipo de socialismo, nem tampouco liberdades democráticas. Apesar de sua crítica retórica ao bloqueio, a posição de Ciro é a mesma dos gusanos. Aliás, ele cada vez mais parece um. Kafka explica.