PUBLICADO NO TIJOLAÇO
POR FERNANDO BRITO
Além da pandemia do novo coronavírus, o Brasil e o mundo estão sofrendo uma infecção generalizada da estupidez, em nome da procura de um milagre contra a doença.
E inacreditável que se pretenda adotar como métodoinfectar propositalmente milhares de pessoas para, eventualmente, descobrir-se se possíveis vacinas são eficazes.
A ética médica repudia estes procedimento e, alguns anos atrás, houve uma condenação (tardia, é verdade) contra médicos norte-americanos que, para testar os benefícios (imensos, claro) da penicilina infectaram com doenças sexualmente transmissíveis milhares de pessoas saudáveis na Guatemala, nos anos 40. Eram, claro, pobres, pretos e guatemaltecos.
Ou quando a indústria farmacêutica recuperou os experimentos do médico nazista Heinrich Mückter, criador da talidomida e, com base em ensaios apressados e pouco rígidos, levou a milhares de malformações de fetos e produziu uma legião de crianças com deformidades físicas na Europa e aqui. Nos EUA, por jamais ter sido aprovada pelas autoridades sanitárias, nunca foi comercializada. Mesmo assim, quase 20 crianças americanas haviam nascido com efeitos colaterais da talidomida porque o remédio foi distribuído legalmente para fins de pesquisa, informa a BBC.
Claro que não acuso de nazismo ou de crueldade deliberada os que defendem esta estratégia da infecção proposital, mas chamo a atenção sobre o potencial trágico disto. Muito menos se condena a atitude generosa de quem se dispõe a se submeter, voluntariamente, à infecção.
Mas invocar o exemplo de Edward Jenner descobrindo a vacina para a varíola em 1796, infectando propositalmente o filho de oito anos de seu jardineiro, francamente, chega a ser ridículo, desprezando dois séculos de desenvolvimento da ciência médica.
O surgimento de efeitos indesejados pode não ser identificado assim, a menos que o número de pessoas propositalmente infectadas seja imenso, na casa de dezenas de milhares de pessoas, com o evidente risco de que o insucesso represente a perda de vidas em grande escala, também. Há outros problemas para esta infecção em massa deliberada, sobre como isolar e acompanhar intensamente com cuidados médicos os voluntários.
Além do mais, a corrida pela vacina não é apenas uma aventura generosa para com a humanidade, mas um contexto onde há dinheiro – e muito dinheiro – envolvido, com a disputa entre laboratórios por venderem, na casa do bilhões de dólares, o que implica sérios riscos de que o “voluntário” traga benefícios financeiros a grupos privados.
Os testes com vacinas, segundo as práticas científicas consagradas e universalmente aceitas, não podem ser feitos de forma alucinada, abandonando critérios éticos e científicos. Esta comunidade deveria, com a mesma energia, estar exigindo medidas duras de aplicação dos protocolos de isolamento e protestando contra governantes que, em nome da “liberdade econômica” transforma as pessoas em infectados involuntários, ao milhões.
Não há remédio heróico e mágico, como se quis fazer da cloroquina. Não é uma gincana, não é uma questão de “fé e vontade”, mas de ciência e ação de governos, como sempre foram os avanços da saúde pública, aqui e no mundo. Persistência, em sanitarismo, é tudo, inclusive para as grandes descobertas.
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