
O Colégio Cívico Militar Marquês de Caravelas, de Arapongas (PR), foi acusado de apologia ao nazismo pela deputada federal Carol Dartora (PT-PR) por exibir suásticas e um manequim que imita Adolf Hitler. As referências foram usadas numa atividade do 3º ano.
Os alunos foram divididos em grupos, que seriam responsáveis por um tema relativo à Segunda Guerra Mundial. Entre os assuntos estavam o nazismo em si e o Holocausto. A escola também promoveu uma entrevista com Relinda Kronemberg, filha de um soldado nazista.
“[Os estudantes] tiveram uma tarde cultural entrevistando uma senhora sobrevivente da guerra e todas suas vivências sofridas dessa época tão triste”, afirmou a escola em uma publicação.
Imagens da atividade foram divulgadas pelo próprio colégio nas redes sociais, mas excluídas horas depois. Segundo as publicações, uma professora estava “desenvolvendo um projeto sobre a 2° Guerra Mundial com os alunos do 3° ano do Ensino Médio”.

A Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) inicialmente negou que o episódio se tratava de apologia ao nazismo, alegando que a atividade foi “uma tentativa de detalhar os horrores da Segunda Guerra Mundial para que tais eventos sombrios nunca mais se repitam”.
Posteriormente, a secretaria repudiou “apologia a quaisquer doutrinas, partidos, ideologias e demais referências ao nazismo” e afirmou que instaurou uma “apuração urgente” sobre o caso. “A Secretaria instaurou procedimento de averiguação urgente e voltará a se manifestar assim que o levantamento for concluído”, informou a pasta.
Após a repercussão do caso, o Museu do Holocausto disse que o episódio causa “espanto e indignação” e disse que a atividade tem “caráter deturpado” e “equívocos pedagógicos”. “O projeto presta um desserviço aos esforços para que a memória do Holocausto e dos crimes nazistas sirva para a promoção dos direitos humanos e da democracia”, diz a entidade.
Dessa forma, o projeto no Colégio Estadual Marquês de Caravelas, em Arapongas (PR), presta um desserviço aos esforços para que a memória do Holocausto e dos crimes nazistas sirva para a promoção dos direitos humanos e da democracia.
+
— Museu do Holocausto (@MuseuHolocausto) October 9, 2023
Leia a manifestação do Museu do Holocausto na íntegra:
Com espanto e indignação, o Museu do Holocausto tomou conhecimento de imagens e relatos de uma atividade ocorrida no Colégio Estadual Marquês de Caravelas, em Arapongas (PR), ligada a um projeto sobre a Segunda Guerra Mundial. Educadores: segue fio longo e necessário.
O caráter deturpado da atividade, realizada com alunos do 3º ano do Ensino Médio, leva o Museu a apontar os equívocos pedagógicos da proposta.
Além disso, ressaltamos nossa preocupação quanto à reprodução dessa metodologia em outras partes do Paraná e do Brasil.
Dois aspectos da atividade nos chamam atenção:
1) o uso de indumentária, simbologia e decoração associada ao nazismo;
2) a entrevista com a filha de um soldado nazista, chamada, na publicação do colégio nas redes (já apagada), de “sobrevivente”. Analisemos cada uma delas.
O uso de salas temáticas, decorações e caracterizações visando “vivenciar o tema” é uma prática didática comum. No entanto, para cada tema, são necessários cuidado e sensibilidade ao utilizar tais metodologias.
Há necessidade de explicar historicamente o fenômeno do nazismo, visando o combate de suas continuidades e permanências no presente.
Porém, na Pedagogia contemporânea do Holocausto, há consenso de que isso deve ser feito pela perspectiva das vítimas, e não dos perpetradores.
Mesmo que a intenção não seja de apologia ao nazismo, o uso de simbologia tal como foi feito leva a um fascínio pelo nazismo. A encenação torna o nazismo, e não o seu combate, algo divertido, interessante e fascinante, deslocado do seu significado histórico.
Entretanto, ainda mais grave é a proposta de entrevista. Segundo o texto publicado pelo colégio nas redes sociais (e já apagado), destacou-se o pai da entrevistada, caracterizado como “o seu pai era nazista e queria lutar pelo país”.
No restante do texto, esse indivíduo (que vale lembrar, não é descrito como um mero soldado convocado por obrigação, mas um nazista convicto) é tratado inacreditavelmente como uma vítima.
Sua filha é descrita como “sobrevivente da guerra”. Cabe lembrar que o projeto do regime nazista pelo qual o pai da entrevistada “lutava” tinha em seu cerne a conquista e opressão de populações de outros países, o extermínio de pessoas consideradas racialmente inferiores ou perigosas e a perseguição a opositores políticos.
O pai da entrevistada, portanto, mais do que alguém que passou por “muito sofrimento”, era parte de um movimento político que infligiu a outros esse sofrimento. Ou seja, entrevistou-se uma senhora cujo pai era nazista – e o colégio não aponta isso como algo condenável.
Já a categoria de “sobrevivente” se aplica a pessoas de fato perseguidas.
Embora sem dúvida vivenciar um período de guerra seja uma experiência sofrida e traumática, é muito problemático borrar diferenças entre experiências como a da pessoa entrevistada.
A entrevistada, apesar de todas privações do período de guerra, não era perseguida por sua origem, ideias políticas ou por qualquer outro motivo – e pessoas, como os judeus, que foram alvo de um genocídio. A estes, cabe a categoria “sobrevivente”.
Chama atenção ainda o fato da entrevista ter sido realizada em cidade próxima a Rolândia, também no Paraná. O local se tornou, na segunda metade dos anos 1930, lar de muitos judeus alemães refugiados do nazismo.
Há ampla bibliografia sobre o tema em livros e artigos acadêmicos. Muitos dos descendentes e alguns dos próprios imigrantes ainda estão vivos. Por que não foram eles os escolhidos para a dinâmica da entrevista?
O dever de apresentar múltiplos pontos de vista sobre processos históricos não pode implicar em tornar todos igualmente legítimos.
A ética pedagógica não se manifesta ao dar vozes, mas em explicitar as escolhas político-pedagógicas que nos levam a escutar as vítimas.
Fica, portanto, patente, que a atividade:
A) está absolutamente distante dos debates contemporâneos sobre o ensino do Holocausto, do nazismo e da Segunda Guerra Mundial;
B) adotou dinâmica que pode facilmente levar a um fascínio e deslumbramento pelo nazismo;
C) releva a diferenciação básica entre algoz e vítima, relativizando os crimes nazistas.
Dessa forma, o projeto no Colégio Estadual Marquês de Caravelas, em Arapongas (PR), presta um desserviço aos esforços para que a memória do Holocausto e dos crimes nazistas sirva para a promoção dos direitos humanos e da democracia.
O Museu do Holocausto já se colocou à disposição da Secretaria de Educação, do NRE de Apucarana e do Colégio para que possamos orientar e, em conjunto, elaborar práticas éticas e significativas para o ensino de temas como Holocausto, nazismo e Segunda Guerra Mundial.