Colômbia acusa Trump de instaurar uma nova versão da “Doutrina Monroe”; entenda

Atualizado em 21 de outubro de 2025 às 7:01
Gustavo Petro, presidente da Colômbia, e Donald Trump, dos EUA. Foto: reprodução

O Ministro do Interior da Colômbia, Armando Benedetti, acusou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ameaçar Bogotá com uma invasão militar, após o republicano classificar o chefe de Estado colombiano, Gustavo Petro, como “líder do tráfico de drogas” e anunciar o corte de toda a ajuda financeira ao país sul-americano, o principal aliado histórico de Washington na região.

Os colombianos acusam Trump de tentar recriar a Doutrina Monroe, em relação às políticas estadunidenses, ainda no Século 19, quando os EUA impuseram a influência imperialista no continente. As declarações de Trump vieram em meio à mobilização militar estadunidense no Caribe para operações de combate ao narcotráfico, que analistas apontam como parte de uma agenda mais ampla dos EUA para se reposicionar como grande protagonista na região.

“[As declarações de Trump correspondem a uma] ameaça de invasão ou de ação terrestre ou militar contra a Colômbia”, disse Benedetti, em entrevista à Blu Radio na última segunda-feira (20), pouco depois de o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia anunciar a convocação do embaixador do país em Washington, Daniel García Peña, para consultas sobre a atual crise.

Em uma linguagem similar à adotada contra o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, Trump afirmou no domingo que Petro teria um papel de liderança no tráfico de drogas partindo do país, acusando-o de “encorajar a produção maciça” de entorpecentes e de “não tomar nenhuma atitude” para impedir a ação de organizações criminosas, apesar de recursos enviados pelos EUA.

Além de anunciar o corte de verbas, Trump também fez uma ameaça, afirmando que se o presidente colombiano não tomasse medidas para fechar campos utilizados para o cultivo de drogas no país, os EUA o fariam: “Os Estados Unidos vão fechá-los para ele, e isso não será feito de forma agradável”, escreveu Trump.

Charge que representa a Doutrina Monroe ilustra os EUA impedindo a interferência da Europa na América Latina. Foto: reprodução

Doutrina Monroe

O rompante do presidente estadunidense contra Petro acontece em um momento em que a tensão entre Washington e a América Latina alcança um nível alarmante. A concentração de forças militares no Caribe é a maior desde a invasão do Panamá, em 1989, no âmbito da Operação Justa Causa, que resultou na captura do ditador Manuel Noriega sob acusação de tráfico de drogas.

Forças estadunidenses já afundaram sete embarcações, matando 32 pessoas, apontadas pelos EUA como parte de grupos criminosos, que recentemente foram equiparadas juridicamente pelo governo Trump a organizações terroristas.

A atenção despendida e a forma de engajamento dos EUA com a região fez analistas apontarem que Trump estaria promovendo uma “Doutrina Monroe 2.0” desde seu retorno à Casa Branca em janeiro.

Essa doutrina, explicitada pelo presidente James Monroe em mensagem ao Congresso em 1823, tinha por lema “a América para os americanos”, e serviu como uma das bases ideológicas para a ação dos EUA em todo o continente na manutenção de seus interesses.

Em análise publicada pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), os pesquisadores Christopher Hernandez-Roy, Juliana Rubio, Jessie Hu e Sam Smith afirmaram que o republicano voltou-se para a região mais do que qualquer outro presidente desde a Guerra Fria, dizimando iniciativas de soft power, aumentando o uso, e as ameaças de uso, da força militar, além da pressão via guerra tarifária.

“Essa mudança de abordagem decorre da preocupação de que os Estados Unidos tenham priorizado a projeção de poder e o policiamento de pontos críticos globais em detrimento de sua ‘vizinhança compartilhada’ por muito tempo, permitindo assim que a China expandisse sua influência na ALC [América Latina e Caribe] e permitindo que organizações criminosas e fluxos migratórios recordes ameaçassem diretamente a segurança dos EUA”, disseram na análise, publicada em 6 de outubro.

A Colômbia é o principal aliado dos EUA na América do Sul há décadas, tendo recebido US$ 14 bilhões (R$ 75,3 bilhões no câmbio atual) em ajuda externa desde 2000.

Os dois países também mantiveram uma profunda cooperação, que incluiu o treinamento de militares colombianos por forças estadunidenses, compartilhamento de inteligência e mesmo emprego de ativos militares, como helicópteros Blackhawk da Força Aérea dos EUA para o patrulhamento contra organizações criminosas.

A relação, porém, ficou particularmente estremecida com o encontro de Trump e Petro nas respectivas Presidências. Enquanto o republicano retornou à Casa Branca decidido a “recuperar o quintal” dos EUA, como dito por seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, em abril, e premiar líderes ideologicamente alinhados, como os presidentes da Argentina, Javier Milei, e de El Salvador, Nayib Bukele, encontrou na Colômbia a figura do ex-guerrilheiro e primeiro presidente de esquerda na História recente do país — que não aderiu às ideias intervencionistas de Trump e denunciou seus movimentos no continente.

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.